“Trabalho é a corrente que nos transporta. Não é tudo, mas tem a ver com tudo”, frisava Siza no documentário homónimo, realizado por ocasião do 90º aniversário do arquiteto, em junho último, pelo brasileiro Augusto Custódio. E assim parece ser. Aos 90 anos, o primeiro Pritzker português assina mais uma obra para a Fundação de Serralves, no Porto: um novo edifício com três pisos, ligado ao Museu de Arte Contemporânea de uma forma quase impercetível ao visitante (a passagem faz-se ao fundo de uma das salas no piso da receção), o que aumentará a área expositiva em 44% e a de reservas (arquivos) em 75%.
Batizado de Ala Álvaro Siza – uma homenagem da fundação ao “genial arquiteto”, repetiu vezes sem conta Ana Pinho, administradora da Fundação de Serralves, durante a visita guiada aos jornalistas –, o edifício foi construído para acolher a Coleção de Serralves em permanência, que soma mais de 4 500 obras, dar um novo lugar à arquitetura (“eixo fundamental de Serralves”) e aumentar em muito o espaço dedicado ao arquivo. A expansão do Museu de Serralves, inaugurado em 1999, resulta também “do aumento do número de visitantes”: de 80 mil no primeiro ano, conta atualmente com mais de um milhão. “O museu merecia ultrapassar as limitações do espaço físico”, reforça Ana Pinho.
Inaugurada oficialmente a 19 de outubro, e por enquanto com as paredes vazias, a Ala Álvaro Siza ficará aberta aos visitantes até ao final do ano, para que se possa admirar esta nova obra do arquiteto no parque – Siza é autor do Museu de Serralves (1999), da Casa do Cinema Manoel de Oliveira (2021) e das recuperações da Casa de Serralves (2021) e da Casa dos Jardineiros (2022) – a qual, tal como as restantes, surge integrada na paisagem classificada com espécies protegidas.
“Porto de abrigo”
Construir “um todo evidente, não como um anexo, mas como um todo”, foi a premissa de Siza Vieira para a construção deste edifício gigante com 4 204 m² de área bruta. No piso da entrada salta à vista uma janela em forma de triângulo invertido, “como que chamando a atenção para o facto de estarmos a entrar num edifício diferente, permitindo uma vista panorâmica para o jardim”, realça o arquiteto nascido em Matosinhos em 1933. Este piso – que pode vir a acolher as obras da Coleção de Serralves – destaca-se do inferior por ter quase duas dezenas de salas dinâmicas “e que podem desmultiplicar-se”, explica o arquiteto, numa geografia que se vai alterando consoante as exposições.
No piso de baixo (que permitirá receber as exposições dedicadas à arquitetura), as salas são de ampla dimensão – uma delas tem 12 metros de altura –, rasgadas com uma ou outra janela que deixa entrar as árvores do parque por ali adentro. Já o piso térreo será destinado às reservas e ao arquivo atuais e a outras doações e depósitos que a Fundação de Serralves pretende vir a captar. “É um edifício com ritmos diferentes”, destaca Ana Pinho.
As duas primeiras exposições na Ala Álvaro Siza só acontecerão em janeiro: uma será dedicada às obras da Coleção de Serralves e outra ao trabalho de Siza Vieira, com curadoria do arquiteto António Choupina. Recorde-se que, em 2015, o primeiro Pritzker português (1992) doou parte do seu arquivo a Serralves, bem como à Fundação Calouste Gulbenkian e ao Centro Canadiano de Arquitetura.
“Aqui encontrei o meu porto de abrigo”, dirá Álvaro Siza Vieira ao longo da visita guiada sobre mais esta obra de arquitetura em Serralves, orçada em dez milhões de euros (quatro milhões e 250 mil euros dos quais foram comparticipados por fundos comunitários). Mais um trabalho a juntar ao extenso currículo do arquiteto, que tem oito das suas obras em Portugal (ver caixa) em processo de candidatura à classificação de Património Mundial pela UNESCO.
Museu de Arte Contemporânea de Serralves > R. Dom João de Castro, 210, Porto > T. 22 615 6500 > seg-sex 10h-18h, sáb-dom 10h-19h > €11
Siza é do mundo
Oito obras do arquiteto candidatas a Património Mundial pela UNESCO
Casa de Chá da Boa Nova 1963, Leça da Palmeira > Construída sobre as rochas, é uma das primeiras obras de Siza
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Piscina das Marés 1966, Leça da Palmeira > Dois tanques de água salgada, vestiários e café
Casa Alves Costa 1971, Moledo do Minho > Casa de férias do arquiteto Alexandre Alves Costa
Bairro da Bouça 1973-77, Porto > Projeto habitacional no âmbito do SAAL
Faculdade de Arquitetura Universidade Porto 1992, Porto > Conjunto de dez volumes distintos
Igreja de Santa Maria 1996, Marco de Canaveses > Igreja, casa mortuária e centro paroquial
Pavilhão de Portugal 1998, Lisboa > Obra para a Expo’98, com uma enorme pala suspensa
Museu de Serralves 1999, Porto > Edifício construído em diálogo com o Parque