O Meo Kalorama vai voltar, em 2024, entre os dias 29 e 31 de agosto e até já tem bilhetes à venda (os chamados early birds, com desconto). Não se sabe é se essa terceira edição vai voltar a acontecer no Parque da Bela Vista, mas a revelação do local deve ser feito em breve. Certo é que aquele que já sem impôs como o último grande festival de verão continuará em Lisboa. A zona oriental da cidade, intervencionada este ano para as Jornadas Mundiais da Juventude com a ideia de se afirmar como um novo local para grandes eventos, parece ser uma hipótese.
E isso pode ser uma boa notícia para o MEO Kalorama. Nesta segunda edição a organização procurou corrigir alguns problemas da primeira. O maior deles, em 2022, e que obrigou mesmo ao cancelamento de um concerto, foi a posição dos dois maiores palcos, que dificilmente permitiam concertos em simultâneo sem interferências sonoras. Este ano, o segundo maior palco, San Miguel, estava num novo local mas a solução também não foi 100% satisfatória: mau acesso, com muitos bloqueios, má visibilidade para os muitos que não se conseguiam aproximar (e vários concertos, ali, chamavam muito público) e um frequente mau cheiro, provavelmente pela proximidade duma zona de casas de banho. Outra contrariedade neste ano foi o pó, que se levantava em nuvens como nos (bons?) velhos tempos dos festivais de verão em Portugal (quem passou pelas primeiras edições do Sudoeste sabe do que estou a falar…). Faria toda a diferença se este fosse um parque verde, cheio de relva, mas isso era coisa que rareava por ali neste verão… Apesar da área do festival ter aumentado (teve, até, mais um palco, dedicado à música eletrónica), em 2023 o MEO Kalorama teve menos entradas do que no ano passado (112 mil, nos três dias, em 2022, e 105 mil neste ano).
Dito isto, falta falar do que (ainda) é o mais importante em qualquer bom festival: os concertos. E o MEO Kalorama voltou a provar que esse é o seu grande trunfo. Consegue programar grandes nomes de primeira linha e garantir excelentes concertos, de estilos muito variados, em todos os palcos. É certo que todos os que passaram pelo Parque da Bela Vista nestes três dias levaram para casa pelo menos um daqueles concertos que ficam durante muito tempo na memória… Nesta edição, o MEO Kalorama conseguiu como cabeças de cartaz três bandas que se afirmam numa relação muito próxima e intensa com o seu público. Isso foi sobretudo óbvio no último dia, sábado, 2, com os canadianos Arcade Fire. Há aquele lugar comum sobre concertos que diz que a energia não passa só dos músicos em palco em direção à plateia, o que aconte no sentido inverso também é fundamental… O intenso concertos dos Arcade Fire deveu-se, em grande parte, a tudo o que o público deu desde o primeiro momento. Praticamente não houve uma canção sem o acompanhamento de um coro de milhares de vozes… O alinhamento, diga-se, é feito à procura desse efeito, e na discografia dos canadianos não falta matéria prima para arrebatamentos épicos. Hoje, os Arcade Fire parecem uma banda algo perdida no seu próprio sucesso, sem saberem bem por onde seguir caminho, mas, mesmo sem William Butler (que anunciou a saída no ano passado) conseguem ser de uma eficácia a toda a prova no momento de subirem a um grande palco. Muito por responsabilidade do público que os esperava em Lisboa, saíram em grande ao som de Wake Up, depois de um desfile de hits (onde faltou Ready to Start, uma das suas canções mais dançáveis).
Já os Blur, estrelas da primeira noite do Kalorama 2023, lançaram este verão um inspirado disco novo, The Ballad of Darren. Souberam equilibrar o alinhamento com alguns temas novos e muitos dos êxitos mais antigos que todos queriam ouvir. Damon Albarn estava, descontraidíssimo, em modo “velho amigo”, menos rufia do que noutras ocasiões. Sem grandes aparatos e perfeccionismos, conseguiram a receita certa para fazer do concerto um encontro festivo, com um prazer de estar ali a tocar velhas canções – que não parecem assim tão velhas… – que nunca pareceu forçado.
Florence Welch não se cansou de agradecer ao público português, dizendo que se sentiu abraçada e protegida por ele num momento especialmente emotivo e delicado. Recentemente, viu-se forçada a cancelar dois concertos devido a uma cirurgia de urgência (por motivos que a cantora inglesa não quis revelar). A empatia de Florence + the Machine com o seu público é notória e a tal comunicação nos dois sentidos que faz um bom concerto ficou mais uma vez claríssima na Bela Vista. Nessa noite, logo a seguir ao concerto cheio de bons sentimentos e declarações melosas (nem por isso menos sinceras…) de Florence, Baxter Dury, com a sua charmosa decadência de uma espécie de Gainsbourg inglês, e Aphex Twin, com a sua máquina de disparar poderosos estilhaços sonoros, mostraram que o mundo tem muitas cambiantes nas suas maravilhosas imperfeições… Colocar no palco maior o ruído de Aphex Twin a seguir a Florence + the Machine foi uma opção que provocou uma grande debandada, mas um bom festival também se faz desse cruzamento de mundos, bolhas e referências. E é mesmo pela música, entre (in)esperados regressos e nomes emergentes (representados nesta edição, por exemplo, por Siouxsie de volta às suas canções, aos 66 anos, e pela americana Ethel Cain, que aos 25 anos deu o seu primeiro concerto em Portugal, descobrindo que tem aqui vários fãs), que o Kalorama se impõe como última estação do verão festivaleiro em Portugal.