Nenhum homem é uma ilha isolada”, já dizia John Donne, no início do séc. XVII. Quando olhamos para os outros, inevitavelmente olhamos também para nós próprios.
Cláudia Varejão mudou-se para os Açores e descobriu uma ilha dentro da ilha de São Miguel. Mas, claro, muito provavelmente, também se revisitou a si própria. O projeto durou cinco anos, incluindo um ano a viver mesmo em São Miguel, e resultou em Lobo e Cão, a primeira longa de ficção da realizadora.
Todo o trabalho foi feito através da matéria-prima da própria ilha, incluindo os atores (jovens que transformou em atores – Ana Cabral e Rúben Pimenta são grandes revelações), num jogo entre a realidade e o desejo.
O filme começa num tom naturalista, quase documental, estilo a que Cláudia nos habituou, percebendo-se uma liberdade e naturalidade de movimentos dos atores. Um retrato social da insularidade e daquela insularidade específica. Mas logo se percebe que a natureza vulcânica das personagens exige um lado mais ficcionado, livre, uma porta aberta para a concretização do desejo. E é assim que Cláudia desenvolve paralelamente dois campos – um de estética mais realista, outro mais fantasioso – que se completam no retrato interior/exterior, numa sociedade fechada, mas com sede de aventura, de desabrochar, por parte de uma juventude corajosa e orgulhosa das suas opções de orientação sexual.
Nem por isso este é um filme que se fecha numa temática ou universo LGBT. O alcance é incomparavelmente mais longo, robusto e universal. Tal como em Chama-me pelo Teu Nome, de Luca Guadagnino, prevalece em Lobo e Cão a história de amor. Uma história de amor e de desejo de uma juventude cercada de água por todos os lados menos pelo lado de dentro… que é feito de fogo.
Lobo e Cão > De Cláudia Varejão, com Ana Cabral, Rúben Pimenta, Cristina Branquinho, Marlene Cordeiro > 111 min.