Ouvimos Tartufo falar em galego para a criada, que lhe responde em português. Já a mulher e a filha do rico homem, Orgon, que se encontra rendido de forma irracional aos encantos do religioso Tartufo, falam francês em palco. Inserida no projeto Nós/ Nous, um programa de intercâmbio de cultura teatral (que junta o Centro Dramático Galego, a Escola Superior de Arte Dramática de Galicia, a École Nationale Supérieure des Arts et Techniques du Théâtre em Lyon, a Escola Superior de Teatro e Cinema, em Lisboa, a Escola Superior de Música, Artes e Espetáculo no Porto, o Théâtre de Lyon, o Teatro Nacional D. Maria II e o Teatro Nacional S. João), esta encenação multilingue do clássico de Molière pretende pôr atores de diversas geografias em contacto. Mais importante ainda: sem anular ou homogeneizar as diferenças.
“A peça é tão de agora que foi fácil perceber este texto com 355 anos”, explica Tónan Quito, encenador desta sátira ao clero e aos costumes de uma sociedade com a burguesia em ascensão. “A peça passa-se numa casa de alta burguesia. Orgon, pessoa importante que já tinha feito alguns favores ao rei, pode ser equiparado, hoje, a um dono de uma grande empresa que tem relacionamentos com o Estado.” Num texto em que podemos encontrar críticas ao capitalismo e uma abordagem à vulnerabilidade da ideia de verdade e à desinformação, o trabalho de dramaturgia passou por pensar em quem se equipararão todas as personagens nos dias de hoje.
O cenário é feito de paredes e chão vermelhos, uma espécie de antecâmara para a desordem e o caos trazidos pelas visitas de Tartufo. Este clérigo atira-se à mulher de Orgon, e este ainda decide dar-lhe a mão da filha, que já tinha sido prometida em casamento ao amado. Por pressão do clero francês, Molière viu a peça censurada aquando da estreia, em 1667, e apenas dois anos depois, por ordem de Luís XIV, é que voltou a ser representada.
Tartufo > Teatro Carlos Alberto > R. das Oliveiras, 43, Porto > T. 22 340 1900 > 30 jun-2 jul, qui-sáb 19h > €10