Flee, a primeira longa de animação do dinamarquês Jonas Poher Rasmussen, realizador habituado a trabalhar em imagem real, alcançou o feito raro de acumular três nomeações para os Oscars: melhor documentário, melhor filme de animação e melhor filme estrangeiro. Na verdade, ainda poderia concorrer à categoria de melhor documentário, pois é também disso que se trata.
O filme envereda pelo estilo biográfico e diarístico, contando a história de um refugiado. É um registo comum no cinema de animação e em novelas gráficas, que tem como referência mais popular e marcante Persépolis, da iraniana Marjane Satrapi. Em Persépolis juntava-se à frágil condição de refugiado do Médio Oriente, o tema da condição feminina num país em que os direitos das mulheres são atropelados; em Flee o mesmo acontece, mas devido à homossexualidade da personagem. Como é dito no filme, o afegão Amin é gay num país em que a homossexualidade oficialmente não existe, ao ponto de nem sequer haver uma palavra para a designar.
A história de Amin, namorado do realizador, passa por uma inacreditável violência, com ecos nas atuais situações dos refugiados – não tanto os da onda ucraniana (que não sofreram este tipo de pressão religiosa e social), mas da vaga do Médio Oriente e, concretamente, da Síria.
O caminho percorrido por Amin foi violento e tortuoso, com mortes e muita corrupção. Incluiu uma passagem miserável pela Rússia, onde os polícias inspiram mais receio do que os ladrões, e pelos negócios sem fronteiras com os traficantes de pessoas, que sujeitam os migrantes a condições infra-humanas de vida, acenando com a miragem de uma futura libertação.
Não sendo totalmente inovadora, Flee é uma animação para adultos que consegue furar os circuitos e preconceitos de género. Esteticamente é muito interessante, propondo uma linguagem mais livre que se liberta dos estilos estereotipados e algo estagnados da Disney/Pixar. Não será o melhor filme que passou no festival Monstra (onde se estreou em Portugal), mas é seguramente das mais interessantes animações a chegar à exibição comercial nas salas portuguesas.
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Flee – A Fuga > De Jonas Poher Rasmussen > 89 min