A vizinhança entre obras de arte com autorias diferentes que se arrumam lado a lado no chamado white cube é sempre misteriosa, uma conversa singular que permite ressignificações e narrativas inéditas que são mais – ou são diferentes – do que a soma das partes. E no caso de Seja Dia ou Seja Noite Pouco Importa, the plot thickens, o mistério adensa-se. O título da exposição é relativizador, um tema comum não se escrutina à primeira ou à segunda vista, os artistas usam linguagens diferentes. E, ainda por cima, ambos experimentam, aqui, media incomuns no seu trabalho: dois vídeos, Objects in mirror are closer than they appear, em que se aborda uma história baseada em factos reais sobre um astronauta que perdeu a aliança de casamento na Lua; e Entre mãos, exercício ritmado, em que o pintor exibe as mãos enluvadas.

André Gomes, ator e artista, tem explorado colagens e processos digitais através da fotografia; Pedro Calapez construiu um corpo assente em pinturas com tons vibrantes, gestos pictóricos, abstrações. Mas, ao percorrer as salas do museu, o observador é transportado sem barreiras entre as obras: tudo resulta, ainda que tudo se mantenha como enigma aberto à interpretação de quem contempla – como uma conversa inusitada entre gente que se encontrou num jardim de caminhos que se bifurcam. Imagens a falar com imagens.
O crítico Alexandre Melo, que acompanha os percursos dos dois artistas desde a década de 1980, escreve, no texto Crepúsculo das Imagens (incluído no catálogo), uma hipótese de síntese: “André Gomes sempre se aproximou das imagens, não sabemos se para alimentar a ilusão de que se poderia afastar delas. Calapez sempre se afastou das imagens, não sabemos se para alimentar a ilusão de que se poderia aproximar delas.” E nós somos o ponto zero.
Seja Dia ou Seja Noite Pouco Importa > Museu Coleção Berardo > Pç. do Império, Lisboa > T. 21 361 2878 > Até 17 out, seg-dom 10h-19h > €5, sáb grátis