Dizem que o amor é louco. Mas nem por isso tratamos de internar os amantes. É essa particular condição que torna o terceiro filme de Mário Barroso, Ordem Moral, tão aliciante. Quando as loucuras de amor são encaradas clinicamente, deixamos de estar no campo das emoções e passamos a estar no da justiça e da moral.
A história de Maria Adelaide Coelho da Cunha já foi contada por vários periódicos ao longo dos tempos e também, recentemente, por Agustina Bessa-Luís, no romance Doidos e Amantes, e por Manuela Gonzaga, no livro-reportagem Doida Não e Não!. Mário Barroso não parte de nenhum desses formatos e procurou a sua própria história com o argumentista Carlos Saboga. Na base, está uma mulher de 50 anos, da alta sociedade lisboeta, filha do fundador do Diário de Notícias, que foge com o motorista, muito mais novo, provocando, além do escândalo, a perseguição do marido, que acaba por interná-la num manicómio (com a cumplicidade dos grandes médicos da época, como Egas Moniz e Júlio de Matos). Estamos em plena Primeira República.

A primeira originalidade de Mário Barroso é que se recusa a tratar o caso como o de uma paixão assolapada – antes, um pretexto de fuga para uma mulher enclausurada num mundo que lhe é subtilmente hostil. Por outro lado, procura não colar a emancipação daquela mulher a um ímpeto feminista, o que torna a questão do género mais subtil. A exemplo do que acontecera com O Milagre Segundo Salomé, Mário Barroso constrói uma história densa e empolgante, com uma reconstituição histórica irrepreensível, que nos permite mergulhar num mundo distante mas com portas para a atualidade (como, por exemplo, a situação de pandemia que se vivia em 1918-1920). Pictoricamente, é muito rico, não fosse Barroso um diretor de fotografia de excelência, sempre com contenção e bom gosto. O argumento foi desenhado a pensar em Maria de Medeiros, que aparece igual a si própria, com expressões que, sem mais nada, enchem o ecrã, mas longe de uma interpretação visceral que nos arrebate.
Veja o trailer do filme:
Ordem Moral > De Mário Barroso, com Maria de Medeiros, Marcello Urgeghe, João Pedro Mamede, Albano Jerónimo > 104 minutos