Percorrer as galerias como quem consulta um herbário, tentando identificar plantas com a ajuda de legendas. O Museu Nacional de Arte Antiga (MNAA) tem um novo roteiro, em sala e em livro, que ensina o significado de árvores, flores e frutos.
“Um Itinerário pela Iconografia Botânica” identifica mais de 100 espécies num conjunto de 30 obras, espalhadas pelos três pisos do museu que guarda arte portuguesa e europeia do século XVI ao XVIII. As paredes não ganharam novos quadros, mas uma nova maneira de os ver e pensar.
“A mesma flor ou fruto pode cumprir papéis distintos em vários quadros”, assinala Marta Carvalho, do serviço de educação do MNAA, que com Sandra Mesquita, arquiteta paisagista, criou um novo roteiro para a colecção tendo a botânica por referência. As rosas e os lírios representados em Apresentação do Menino no Templo (1538), de Garcia Fernandes, e nos medalhões cerâmicos (1501-1525) da oficina italiana Della Robbia, ora aludem aos perfumes deixados no túmulo vazio da Virgem, após a Assunção ao Paraíso, ora enaltecem a pureza de Maria.
No quadro Deposição no Túmulo (1521-1530) de Cristóvão de Figueiredo, “a espinha-de-cristo nas mãos de Maria Madalena demonstra como a tradição cristã codificou a representação e até a nomenclatura de espécies botânicas: a coroa de espinhos tornou-se um dos símbolos da Paixão de Cristo”, lê-se no roteiro. O nome científico da espécie representada deriva precisamente deste episódio bíblico.
Hans Holbein, O Velho (1460-1534) é um dos muitos artistas que utiliza os cravos como símbolo do Amor Divino para enaltecer episódios entre a Virgem e o Menino. Mas esta flor também foi associada, na pintura flamenga, aos pregos usados na Crucificação. Por isso, a sua presença em pinturas como Virgem com o Menino (C. 1520), de um mestre flamengo desconhecido, pode ser uma referência à Paixão, o que dá um novo significado à cena.
Também os frutos transportam sentido e simbolizam a mudança dos tempos. A maçã é utilizada em várias obras como símbolo do pecado original, mas no quadro Virgem com o Menino e Anjos (1520-1530) de Frei Carlos, o fruto referencia Cristo como o novo Adão e Maria como a nova Eva. Já numa das naturezas-mortas de Josefa de Óbidos, vemos uma melancia branca: muitos desconhecem a sua existência, mas esta espécie foi outrora a mais comum e popular. Uma leitura mais atenta revela que a artista, nas suas obras, combina frutos e flores de jardim com plantas espontâneas da região onde viveu a maior parte da sua vida.
Para a direção do MNAA, o itinerário é uma forma de conhecer melhor a colecção do museu e de parar em quadros, aos quais eventualmente não se prestaria atenção, para descobrir a história por detrás do pormenor. E há muitas histórias para conhecer, auxiliado pelo roteiro-guia ou pela sinalética construída para acompanhar os quadros.
Museu Nacional de Arte Antiga > R. das Janelas Verdes > T. 213 912 800 > ter-dom 10h-18h > €6, até 12 anos grátis, mais de 65 anos e estudantes €3, dom até 14h grátis