
As quinze séries, agora apresentadas no Museu Berardo, compreendem uma década de trabalho de Pieter Hugo,em vários continentes: África, Ásia e América
Pieter Hugo
O primeiro instinto é procurar as imagens que trouxeram reconhecimento internacional a Pieter Hugo: a série fotográfica sobre os saltimbancos nigerianos, domadores de hienas, mas também de cobras pitão-africanas e macacos. Uma reportagem feita em 2005, quando o fotógrafo recebeu um email de um amigo, mostrando-lhe a imagem bizarra de homens a passear pelas ruas de Lagos com uma hiena acorrentada. Hugo encontrá-los-ia na periferia de Abuja, tendo passado oito dias com a família de tratadores, que incluía uma menina pequena. Regressaria numa segunda viagem, procurando ir além do exotismo ou das relações de domínio e submissão. O impacto mantém-se: a perceção da dimensão absurda destas presenças no meio urbano, a latência da selvajaria a deslocar-se intermitentemente entre humanos e animais, a fisicalidade poderosa de todos os retratados, a ambivalência emocional de quem observa, capturado entre o fascínio e o repúdio, renovam-se. Porém, o corpo de trabalho de Pieter Hugo é abrangente e forte demais, para ser reduzido às “fotos das hienas”. E não deixa de ser um sinal de que a entrada em Between the Devil and the Deep Blue Sea – Entre a Espada e a Palavra, se faça através dos retratos de crianças, brancas e negras, encostadas a árvores, deitadas no chão queimado, acocoradas ou indefesas – um reflexo do olhar novo que o fotógrafo ganhou após ser pai (os autorretratos com a filha e o filho, bebés, estão patentes).

Pieter Hugo
A dureza social de um país como a África do Sul, a lamber as feridas pós-apartheid, perpassa os olhares dos trabalhadores das lixeiras de Musina, as famílias de afrikaners, as empregadas da sua própria família. Há uma consciência da morte e da fragilidade da vida, das perpétuas injustiças, manifestada igualmente quando ele capta outras geografias: as novas gerações chinesas, os coletores de mel silvestre do Gana, os atores de Nollywood, os sem-abrigo de Los Angeles, os viajantes adormecidos em voos de longo curso, zombies fotografados com câmara de infravermelhos, a sua geração marcada pelo sol. Imperdível.
Between the Devil and the Deep Blue Sea – Entre a Espada e a Palavra > Museu Coleção Berardo > Pç. do Império, Lisboa > T. 21 361 2878 > até 7 out, seg-dom 10h-19h > €5, sáb grátis