
Aitor Lara
“Pinacendá” é um espetáculo de flamenco puro, tradicional?
Para mim, só existe um tipo de flamenco. O flamenco puro é aquele que se faz do coração. O tradicional é aquele que se faz replicando as estruturas musicais e rítmicas do antigamente. Eu conheço o flamenco tradicional, mas tenho 35 anos, sou jovem, portanto aquilo que apresento é sempre uma mistura daquilo que aprendi e continuo a aprender. Não pretendo dançar como o meu avô, porque sou de outra época.
Não é um defensor de fusões…
Sim. A fusão é uma palavra que, por vezes, confunde o público. Uma coisa é mesclar com outras danças, outra coisa é fazer uma dança ao compasso do flamenco, uma dança aflamencada. Gosto quando fazem mesclas, mas reconheço o flamenco na dança.
É possível evoluir, mantendo-se fiel ao flamenco?
Totalmente. Um pássaro evolui com o passar de anos. Um pássaro tem uma forma de voar, de pairar no ar, uma beleza. Um réptil também evolui. Mas continuamos a distingui-los. Hoje em dia, é difícil distinguir quem dança flamenco. A todas as danças chamam de flamenco. A todos os pássaros chamam de réptil. Ora, por muita evolução que haja, um pássaro continua a ser um pássaro e um réptil continua a ser um réptil.
Teve como maestro o seu avô. O que era a escola de Farruco?
A escola de Farruco falava de humildade, de conhecimento, do estudo do flamenco, de verdade, de fazer aquilo que ditava o coração, de respeito, de personalidade, de aprender com todos sem imitar ninguém… era uma filosofia, mais do que fechar-nos num estúdio durante muitas horas.
É por isso que se diz que o seu avô era um génio?
Os génios são aqueles que não querem ser os mais famosos, mas acreditam numa fórmula diferente e têm uma filosofia tão profunda e certeira que conseguem fazer com que inúmeras pessoas se enamorem. Hoje em dia, a maioria dos dançarinos de flamenco recordam-se de Farruco, a certa altura.

Aitor Lara
Sente que, neste momento, também já é uma influência para uma geração mais nova de bailarinos de flamenco?
Não. Ainda continuo a aprender. Sinto-me querido e respeitado pelo público e pelos meus companheiros, mas não penso que sou uma referência, porque isso colocar-me-ia num nível que ainda não alcancei. Prefiro continuar a aprender.
Tem um filho pequeno que já dança flamenco, certo?
Baila de sentimento, porque gosta, não porque lhe ensinamos. Vê em casa e às vezes expressa-se, mas já com um compasso e sentido.
O que sente quando vê o seu filho a dançar?
Todas as perguntas que me está a fazer podia responder-lhe com um vídeo do meu filho, para entender que o flamenco não é só técnica ou aprender a girar e a montar um espetáculo. Um menino não percebe nada disso e é capaz de bailar flamenco, transmitir um sentimento porque o sente, de verdade. Aí confundem-se todas as lógicas da dança. Por isso, quando vejo alguém que não tem uma experiência e conhecimento profundo do flamenco, mas usa outras danças com um ritmo aflamencado, chamando-lhe de flamenco para captar as atenções dos outros, isso não é pureza. Não há verdade.
Viver em Sevilha continua a ser essencial para si e para a sua dança?
Sim, sempre o será. Recorda-me o lugar de onde venho, os tempos da infância. E estou perto da família. Isso é flamenco. É encontrar-me comigo mesmo. O flamenco não é descobrir como chegar até à lua, é conhecer primeiro como se chamavam os teus bisavós e trisavós, o que faziam, a que se dedicavam, como eram. Isso é o que falta ao flamenco de hoje. Há muita preparação técnica, mas eu não quero perder a profundidade para preparar-me técnica ou fisicamente, quero conservar a verdade daquilo que sou e sinto. Isso é o mais difícil.
Lendo sobre flamenco, encontrei uma expressão, tener duende. O que quer dizer?
O duende não vem sozinho. Há que chamá-lo com trabalho, com respeito, com a afición ao flamenco, com a dedicação, com a humildade… Tudo isto é flamenco e quando dedicas muito tempo a todas estas coisas, no final, o duende faz-te uma visita. Esse momento é mágico, único, irrepetível.
A improvisação é fundamental no flamenco. Alguma vez ficou sem saber o que fazer no palco?
Sempre. Como improviso muito, muitas vezes fico em branco. O que faço é esperar, escutar o canto, a guitarra e reagir quando vem algo. Mas no pasa nada, ter uma branca não é mau. A mentira é muito pior.
Tenta ver outros estilos de dança e aprender com eles?
Claro que sim. Desde pequeno sou fã do Michael Jackson e, embora não tenha nada a ver com flamenco, tinha a mesma autenticidade e verdade, todas as coreografias que aprendeu carregavam a sua personalidade. Isso é muito flamenco.
Quando dança, dança para quem?
Primeiro, danço para mim, para me concentrar e dar o melhor de mim, tenho de motivar-me, inspirar-me, focar-me na música e, no momento, respirar profundamente para sentir o ambiente. Depois, a partir daí, quando tenho alguma coisa para dar, partilho-o com todos, com o público, com os meus músicos e com quem me rodeia. Quem me acompanha é como uma família, se não existisse esse compromisso, essa cumplicidade, não era possível improvisar. Deve haver comunicação, deve haver surpresa, momentos bons e maus… o flamenco é como a vida. Não se pode desenhá-la a 100 por cento.