Manteve-se o sótão como cenário, mas as longas conversas e discussões dos verdes anos, capazes de parar o vórtice do tempo, têm agora um registo mais fragmentado e desconfortável. As palavras de ordem, como “calem-se com a direita e com a esquerda, o Muro já caiu!”, ou “a maioria são os mortos!”, surgem desconexas, como se tivessem perdido a força das grandes causas. A Maioria Absoluta aludida no título da peça foi a resultante da eleição de Cavaco Silva, em 1987, com a adesão à União Europeia a permitir uma maior estabilidade económica e, ao mesmo tempo, a abrir caminho à sociedade de consumo e ao neoliberalismo. Foi também a época em que Gonçalo Amorim e Rui Pina Coelho, cocriadores do espetáculo, viveram os seus melhores anos e se envolveram na luta contra as propinas. “Neste espetáculo não quisemos ser tão historicistas ou documentais, mas ter uma relação mais impressiva com a década, até porque os anos 90 estão muito próximos”, conta Gonçalo Amorim, o diretor artístico do Teatro Experimental do Porto.
O elenco foi convidado a assumir os comandos desta narrativa dos falhados do século XX. “Pedimos à geração mais nova para acarinhar as nossas memórias e a forma romanceada como lhe contamos esta história, tal como nós fizemos com as outras gerações”, diz. Para Catarina Gomes e Paulo Mota, de 20 e 27 anos – os únicos atores que entraram no elevador temporal da trilogia, indo dos anos 50 (em O Grande Tratado de Encenação) aos 70 (em A Tecedeira que Lia Zola) –, esta foi “uma aula intensiva sobre a História de Portugal e do mundo, e também sobre a prática teatral”. Acrescenta Rui Pina Coelho: “Aqui dialogamos com a nova dança portuguesa, com um teatro mais físico, com a performance, com o fascínio pelo simbolismo…” Com os intérpretes, tal como outrora, a deixarem a pele em palco.
Teatro Municipal Campo Alegre > R. das Estrelas, Porto > T. 22 606 3000 > 14-24 mar, qua-sex 21h30, sáb 19h, dom 17h > €7,50