São nove atores em palco: um casal, três filhos, um amigo do casal e três homens, que vão comentando a ação em jeito de “crónica” de uma maldição anunciada: a de uma família que chega ao apogeu absoluto da riqueza e, de um dia para o outro, perde tudo. E o que acontece nesse momento, quando tudo cai? É aqui que entramos no tema de A Vertigem dos Animais Antes do Abate, de Dimítris Dimitriádis, dramaturgo, poeta e tradutor grego, natural de Salónica.
“Nós, os homens, inventámos a lei, coisa que os animais não têm. Mas quando tudo cai, voltamos à natureza: deixamos de ter quaisquer defesas culturais ou civilizacionais. Ou seja, a natureza vai romper a civilização”, comenta o encenador Jorge Silva Melo. E é a essa vertigem que vamos assistir: quando os seres humanos se transformam em animais.
A peça quebra assim uma série de interditos – há incesto entre mãe e filho, pai e filha, entre irmãos; há uma mulher que mata um filho –, criando um jogo de personagens onde ecoam elementos da tragédia grega (Édipo, Antígona, Medeia), mas não só. O Antigo Testamento também está presente na figura do pai (João Meireles), que é uma espécie de Jó: “Um homem que ascende ao poder total e no dia a seguir já não tem nada, ao ponto de dizer ‘Maldito seja o dia em que eu nasci’”, sublinha Silva Melo.
Nesse sentido, a peça, publicada em 2000, é também uma reflexão sobre a crise económica que então despontava na Grécia. “A queda desta família é o que está a acontecer à civilização europeia e ocidental”, remata o encenador. Com o elenco (João Meireles, Inês Pereira, Américo Silva, Vânia Rodrigues, André Loubet, Pedro Baptista, Pedro Carraca, João Pedro Mamede e Nuno Gonçalo Rodrigues), Jorge Silva Melo está a trabalhar a presença “irrecusável” dos corpos em cena, na linha daquilo que lhe pediu Dimítris Dimitriádis (de quem é amigo), por email: “Não escondas nada”. Assim será.
A Vertigem dos Animais Antes do Abate > Teatro da Politécnica > R. da Escola Politécnica, 54, Lisboa > T. 96 196 0281 > 13 set-28 out > ter-qua 19h, qui-sex 21h, sáb 16h e 21h > €6 a €10