
Polina é, ao mesmo tempo, um filme sobre a obsessão e a libertação
Como é que algo tão intensamente belo pode ser simultaneamente tão cruel? Há algo de malogradamente irónico no universo da dança, denominador comum dos filmes que exploram os seus bastidores. Se, sobretudo no ballet clássico, existe essa intenção, tantas vezes conseguida, de atingir o sublime, sobressai também a repetida ideia de que tal só pode ser alcançado através de um imenso sacrifício.
No fundo, é uma réplica, em menor escala, da filosofia judaico-cristã. Tal estava patente no Cisne Negro (2010), de Darren Aronofsky, nos sofisticados meandros ultracompetitivos e malévolos do meio nova-iorquino, e fica também claro neste Polina, que parte da rigidez secular do famosíssimo ballet de Bolshoi. Só que Polina vai mais além e, de forma transversal, faz uma reflexão sobre o bailado contemporâneo europeu.
Baseado na premiada novela gráfica de Bastien Vivès, o filme acompanha o percurso de Polina, vítima e serva da sua condição de bailarina, desde criança, sob a orientação dura, fria e impiedosa de Bojinski. Tem como destino almejado os quadros de Bolshoi, só que há algo que a faz mudar definitivamente de direção, rumo a uma Europa mais livre. Assim, Polina é, ao mesmo tempo, um filme sobre a obsessão e a libertação.
Até certo ponto, cria-se a ideia de que o bailado contemporâneo representa uma libertação, não só de movimentos, para uma bailarina clássica. Mas não é assim tão fácil. Há sobretudo um confronto de linguagens. O perfecionismo russo de pouco serve em escolas que pretensiosamente querem encontrar os caminhos para a alma. Polina faz assim uma travessia que passa por alguns dos grandes centros da dança europeia, sobretudo em França e na Bélgica, numa busca oscilante de um caminho, de uma voz, dos seus próprios passos, da sua própria alma.
Com uma magnífica interpretação de Anastasia Shevtsova e momentos de rara beleza, o filme de estreia de Valérie Müller e Angelin Preljocaj fará a delícia dos amantes do bailado… e não só.
Polina > de Valérie Müller e Angelin Preljocaj, com Anastasia Shevtsova, Veronika Zhovnytska e Juliette Binoche > 108 min