Na Fábrica da Queima, em Tondela, cerca de 200 voluntários andam numa roda-viva, desde o início da semana. Durante o dia e grande parte da noite ensaiam-se músicas, decoram-se textos e ajuda-se a construir o boneco gigante de oito metros – em forma de ovo de Páscoa, com duas faces – que há de personificar Judas Iscariotes. E que será queimado pouco antes da meia-noite deste sábado de Aleluia, dia 15, simbolizando a passagem do apocalipse ao paraíso, do inverno à primavera.
A Queima do Judas, organizada pelo Trigo Limpo Teatro Acert, soma mais de 20 anos e Pompeu José, o diretor artístico, vê com orgulho a presença renovada de voluntários que todos os anos anseiam pela chegada desta noite envolta numa imensa “ironia poética”. Este ano, o “texto sempre provocatório” ironiza “com o conceito de um país ideal, se calhar enganador”, conta Pompeu José. Se, na primeira parte do espetáculo, “parece que todos estão felizes”, na segunda, lembram-se os refugiados e “percebemos que também nós poderemos ser convidados a sair” do nosso país, continua o diretor artístico.
A tradição de Queimar o Judas – simbolizando a morte de Judas Iscariotes que, por 30 moedas de prata, entregou Jesus aos soldados romanos para ser crucificado – é um espetáculo comunitário que tem ganho cada vez maior dimensão. Em Vila do Conde, a associação cultural Nuvem Voadora reúne cerca de 250 voluntários (entre duas dezenas de associações), inspirando-se, desta vez, “na obra literária e pictórica” de Júlio Saúl-Dias, irmão do poeta José Régio. Este ano, salienta o diretor artístico Pedro Correia, o espetáculo terá um cariz “mais visual e musical”, com a dramaturgia a passar por extratos de poemas de Saúl-Dias. Pela primeira vez, começa durante a tarde (16h) com o velório de Judas e uma performance levada a cabo “pelas cinco viúvas”, prosseguindo, à noite (às 22h30), com um “cortejo inspirado num ritual fúnebre de várias culturas” que convida o público a beber vinho e a comer carne de porco. A figura de Judas “representa o lado maléfico da sociedade, havendo pormenores que nos levam a imaginar os ditadores fascistas”, descreve Pedro Correia.
Em Vila Nova de Cerveira, a festa criada pelas Comédias do Minho alia, este ano, jogos populares como a pinhata, a corda ou a malhação a um espetáculo inspirado “nos mostrengos dos quadros de Bosch [pintor holandês]” que nos remetem para os “homens com o peso dos vícios e dos pecados”, descreve-nos o ator e criador Rui Mendonça. A Queima do Judas incluirá a leitura de testamentos da autoria de José Lopes Gonçalves, mas a população é convidada a deixar as suas próprias críticas penduradas numa figueira seca. No fundo, todo este ritual religioso e pagão é uma espécie de catarse que, ao mesmo tempo, nos diverte e (ou) nos dará uma lição de moral.
Queimas do Judas > 15 abr, sáb > Av. dos Jardins Júlio Graça, Vila do Conde > 16h, 22h30 > Centro histórico de Vila Nova de Cerveira > 16h, 23h30 > Junto ao Pavilhão Municipal de Tondela > 23h30 > grátis