Nem esperou pelo Natal. Como quem se liberta das amarras do poder, o Presidente Manuel Teixeira Gomes, em 11 dezembro de 1925, vendo-se na iminência de ser forçado a entregar o poder aos militares, abandonou a Presidência e partiu no primeiro barco que saía de Lisboa, um cargueiro, de nome Zeus, que rumava à Argélia. Teixeira Gomes, o sétimo Presidente da República Portuguesa, é uma figura intrigante. Vice-presidente da Sociedade das Nações, autor de contos eróticos, apaixonado pelo Islão, desesperou-se no poder e encontrou-se no anonimato, quando foi viver autoexilado para a cidade argelina de Bougie.
Manuel Teixeira Gomes é o objeto da primeira longa-metragem de Paulo Filipe Monteiro, ator, guionista e professor com longa experiência no cinema. Apercebendo-se da complexidade da personagem retratada, o realizador opta por desdobrá-la em três contextos, para que melhor entendamos o todo. Por um lado, o Presidente que vive encarcerado no seu cargo, com poderes muito limitados, numa Lisboa soturna e abafada, tomada pelos jogos políticos rumo ao Estado Novo. Por outro, o Norte de África, aberto e arejado, libertador, onde aparentemente Teixeira Gomes se realizou pessoalmente. E finalmente o Algarve, onde nasce, e onde se situa o seu romance Maria Adelaide.
Em Zeus, estes três planos são intercalados, numa estrutura muliplot. Sendo que há um cuidado estético, bem conseguido, na diferenciação dos blocos, que passa inclusivamente pela escolha de diretores de fotografia distintos. Em Lisboa, tudo é escuro e claustrofóbico, com um abuso de interiores. Em contraste com a Argélia, uma espécie de oásis luminoso, em que tudo resplandece. No Algarve, os tons mais saturados dão à história o pretendido tom ficcional. Zeus é um ousado e invulgar filme de época no contexto português.
A deterioração da cidade de Bougie foi uma das maiores dificuldades na produção de Zeus. Obrigou a um trabalho exaustivo de repérage e, inclusivamente, à construção de um mercado de raiz.
Zeus > de Paulo Filipe Monteiro, com Sinde Filipe, Paulo Pires, Ivo Canelas, Rita Brutt, Idir Benebouich, Catarina Luís, Miguel Cunha, Carloto Cotta > 115 min