Lá para o final do filme, o homem (Reda Kateb) levanta-se e faz uns movimentos absurdos, como quem imita um passeriforme. A mulher (Sophie Semin) quase que entra em pânico, protestando que nenhuma ação estava prevista, que era suposto fazer tudo à base de diálogos e esgares. Assim é Os Belos Dias de Aranjuez, o último filme de Wim Wenders, que marca o regresso às colaborações com o escritor Peter Handke, que tão bons frutos deu em obras como A Angústia do Guarda-Redes Antes do Penalty, Movimento em Falso ou As Asas do Desejo.
Aqui Wenders adapta uma peça de teatro de Handke e tenta, na medida do possível, não desvirtuar a sua essência dramatúrgica, concentrando-se intensamente no diálogo. Tal como a peça de Handke, o filme é despojado de ação e contido nos cenários, que não se querem dinâmicos, de um estaticismo orgânico, que não tire os olhos (ou os ouvidos) do espectador do texto.
A situação é simples: um casal conversa à beira de uma mesa no jardim, num perfeito dia de verão. Ele questiona-a e fala da natureza. Ela responde e revela pormenores da sua vida sentimental, sonhos e deslumbres, eventuais arrependimentos e motivações. As metáforas são ricas, como a da expansão selvagem da horta real em Aranjuez. E, em debate, sem pruridos, estão temas não menos importantes do que o amor, a condição humana, a condição feminina, a intimidade sentimental e sexual, as barreiras construídas entre nós e os outros.
Wenders constrói o filme em camadas, pois dentro da casa está o escritor – presumivelmente Handke – que observa as personagens que o próprio constrói e se debate com o ato criativo. Por outro lado, o realizador concebe um prelúdio, uma espécie de postais 3D de Paris ao som de Lou Reed; e um inesperado interlúdio, com Nick Cave a cantar ao piano, como quem serve narrativa e banda sonora (endógena) em pratos separados, de forma a valorizar ambas.
Apesar da fidelidade dramatúrgica, Wenders tira maior proveito do cinema. Não há um enquadramento fechado. A câmara vai sempre circundando as personagens, como que em busca de um retrato mais completo, enriquecendo-se (em relação ao teatro) em termos de perspetiva. Por outro lado, continua a explorar o 3D em contextos surpreendentes. O alemão revelou-se um dos maiores entusiastas da tecnologia e da sua potencialidade fora do “cinema espetáculo”. Mas nunca como neste filme foi usado tão em contracorrente, como quem procura a tridimensionalidade das próprias palavras.
Os Belos Dias de Aranjuez é falado em francês e em alemão, mas a produção é portuguesa, da responsabilidade de Paulo Branco e da Alfama Filmes. A peça de teatro de Peter Handke que o filme adapta está editada em português na Sistema Solar.
Os Belos Dias de Aranjuez > de Wim Wenders, com Reda Kateb, Sophie Semin, Jens Harzer > 97 minutos