Luís Montenegro desmentiu haver qualquer irregularidade na declaração de rendimentos que fez à Entidade da Transparência. No comunicado em que o fez avançou, contudo, uma informação que releva uma desconformidade. Nesse texto, o primeiro-ministro diz que uma das contas usadas para pagar as casas que comprou no centro de Lisboa não estava declarada, justificando essa omissão com o facto de ser exclusivamente da sua mulher. No entanto, essa conta só não teria de ser declarada caso o montante que lá está fosse uma herança da mulher.
“No caso da última aquisição de um apartamento T1 em Lisboa, o respetivo preço foi pago através de um crédito identificado na declaração de rendimentos do primeiro-ministro e os demais fundos utilizados saíram do perímetro patrimonial também constantes da mesma declaração, sendo apenas uma componente de 45.000 € proveniente de uma conta que dela não constava, em virtude de o PM não ser titular da mesma, mas antes o seu cônjuge em exclusivo”, lê-se no comunicado emitido pelo gabinete de São Bento.
Contactada pela VISÃO, fonte oficial da Entidade da Transparência explica que “quando o titular for casado em regime de comunhão de adquiridos, é necessário declarar todos os elementos do ativo patrimonial (incluindo contas bancárias) que não constituam bens próprios do cônjuge (e, por conseguinte, sejam bens comuns do casal)”.
Ou seja, o primeiro-ministro tem de declarar todas as contas da sua mulher, uma vez que estão casados em regime de comunhão de adquiridos. A única exceção são os “bens próprios do cônjuge”, isto é, bens que tivesse antes do casamento ou que tenha herdado.
Nesse comunicado, o primeiro-ministro anuncia que “vai dirigir um requerimento à Entidade para a Transparência para que se possa auditar a conformidade das declarações e respetiva evolução”.
Contudo, a Entidade da Transparência já revelou ao jornal Público não ter meios para fazer essa auditoria, até por só ter acesso a bases de dado de fontes abertas.
PM tem exceção na lei
A lei que regula o exercício de funções por titulares de cargos políticos e altos cargos públicos é a Lei n.º 52/2019, de 31 de julho e é nela que se encontram as sanções para quem não cumpre as obrigações declarativas.
No entanto, a lei dá um estatuto especial ao Presidente da República, ao Presidente da Assembleia da República e ao primeiro-ministro. São os únicos que não perdem o cargo por incumprimento no dever de declarar o seu património.
Segundo a lei, quem omita património tem de completar ou corrigir a sua declaração “no prazo de 30 dias consecutivos ao termo do prazo de entrega da declaração” depois de ser notificado para isso.
“Quem, após a notificação prevista no número anterior, não apresentar as respetivas declarações, salvo quanto ao Presidente da República, ao Presidente da Assembleia da República e ao Primeiro-Ministro, incorre em declaração de perda do mandato, demissão ou destituição judicial, consoante os casos”, lê-se no artigo 18.º desta lei.
No entanto, está também em causa um crime. “Sem prejuízo do disposto nos números anteriores, a não apresentação intencional das declarações previstas nos artigos 13.º e 14.º, após notificação, é punida por crime de desobediência qualificada, com pena de prisão até 3 anos”, diz a lei.
É nessa mesma lei que se encontra a obrigatoriedade de exclusividade do primeiro-ministro, que está agora sob suspeita, com o PS a pedir uma Comissão Parlamentar de Inquérito para apurar se se pode concluir que Luís Montenegro esteve, através da Spinumviva, a receber avenças de empresas privadas, enquanto já estava em funções e a sociedade se mantinha em nome da sua mulher, com quem está casado em comunhão de adquiridos.
Segundo os constitucionalistas Jorge Reis Novais e Vital Moreira, os dados conhecidos são suficientes para que o Ministério Público averigue se Luís Montenegro infringiu a obrigação de exclusividade e pode ser por isso destituído do cargo.