“Este drama, cuja extensão, medida à escala terrena, daria para preencher dez serões, destina-se a ser representado por um teatro do planeta Marte. O público do nosso mundo não teria forças para suportá-lo”, escreveu o dramaturgo Karl Kraus (1874-1936). A trabalhosa adaptação das 700 páginas de Os Últimos Dias da Humanidade, uma gigantesca colagem de cenas, lugares e personagens feita pelo autor austríaco ao longo da Primeira Guerra Mundial, não demoveu o Teatro Nacional São João (TNSJ).
A plateia desaparece para dar lugar a uma enorme praça, onde se passeia o elenco de 21 atores, dirigidos por dois encenadores, Nuno Carinhas e Nuno M. Cardoso. É o primeiro quem afirma: “Isto não está localizado na história, infelizmente tem ecos muito presentes. É por isso que nos interessa.”
A partir daquele conflito despontaria, na opinião de Kraus, um mundo em guerra perpétua, como se sofresse de uma condição crónica. O autor quis nomear o inominável, fazendo da citação de vozes e de documentos da época a principal arma da sua sátira. A peça não sofre grandes desenvolvimentos dramáticos nem segue uma narrativa linear, embora seja balizada pela cronologia do conflito, desde o assassínio do arquiduque Franz Ferdinand (1914), à queda das Potências Centrais (Alemanha e o Império Austro-Húngaro, em 1918).
Com exceção de António Durães (a dedicar-se apenas ao papel do Eterno Descontente, alter ego do autor), os outros 20 atores desdobram-se na interpretação das 200 personagens do espetáculo. “São os demiurgos do texto, não há grandes construções de personagens, estão completamente pulverizados em diferentes vozes”, explica Nuno Carinhas, responsável também pelos figurinos e pela cenografia. No ar, paira o cheiro a mortalha, como descreve Karl Kraus, neste ajuste de contas com a Humanidade.
O espetáculo é dividido em três partes (cada uma com cerca de 2 horas), autónomas mas interdepen-dentes: Esta Grande Época (27 e 30 out; 4, 9, 12, 17 nov); Guerra é Guerra (28 out; 2,5,10,13, 18 nov); e A Última Noite (29 out; 3, 6, 11, 16 nov). Numa sessão especial, a 19 de novembro, poderá assistir-se ao espetáculo completo.
Os Últimos Dias da Humanidade > Teatro Nacional São João > Pç. da Batalha, Porto > T. 22 340 1910 > 27 out-19 nov, qua 19h, qui-sáb 21h, dom 16h > €7,50 a €16 (assinatura trilogia €20)