Do que aqui se fala é de uma coisa caída em desuso: de um presente de casamento. Estamos em 1950 e Miguel Jacobetty Rosa (1901-1970) – arquiteto a quem é atribuído o Estádio do Jamor, colaborador próximo de Duarte Pacheco, prémio Valmor, autor do Bairro de São Miguel – pergunta a um amigo que vai casar se pode fazer o desenho de todo o mobiliário da sua casa nova. Justifica-se: nunca fez um projeto desses, gostaria de o concretizar, mais ainda de lho oferecer como presente de casamento.
O amigo chama-se Miguel Ferreira Martins, fotógrafo, proprietário da Fotocolor, uma loja de fotografia no número 291 da Rua do Ouro, na Baixa lisboeta, que a certa altura chegou a ser representante da Kodak em Portugal. Vai casar com Maria Guilhermina Cayres, menina proveniente de boas famílias minhotas. O casal não só aceita o presente (o que envolvia acartar com os custos da sua produção em fábrica) como atrasa o casamento de maneira a que Miguel Jacobetty Rosa tenha mais tempo para trabalhar. “Nota-se que ele se divertiu, que teve prazer em desenhar tudo isto”, diz Carlos Bártolo, professor de História do Design da Universidade Lusíada, que investigou o tema.
A história tem muitas pontas, nem todas estão esclarecidas. O apartamento era um apartamento burguês, na Rua da Imprensa à Estrela – quarto de casal, quarto de hóspedes, sala de estar, sala de jantar, escritório, sala de costura e vestíbulo. E ainda uma zona para os criados, onde Jacobetty Rosa não interveio. Entre maio e setembro de 1950, o arquiteto desenha mesas grandes e pequenas, aparadores, roupeiros, camas, mesas de cabeceira, cómodas, cadeiras, sofás, armários, estantes, candeeiros… “A casa devia estar cheia que nem um ovo”, nota Carlos Bártolo. As peças viriam a ser produzidas na Madeira & Móveis Lda., uma fábrica da Praia da Granja, perto de Espinho, provavelmente a conselho do próprio Jacobetty Rosa.
Todo esse espólio manteve-se quase intacto no apartamento da Estrela até há cerca de um ano. Com a morte de Maria Guilhermina Cayres, a filha do casal, Maria do Rosário Caires Martins, doou o escritório do apartamento ao MUDE – Museu do Design e da Moda, onde agora é possível ver a reconstituição integral dessa zona da casa. Algumas peças permaneceram propriedade da herdeira, outras vão estar em exibição, a partir desta sexta, 8, e até ao próximo dia 14 de maio, na Galeria Bessa Pereira, em Lisboa, na exposição Um apartamento à Estrela.
À VISÃO Se7e, Carlos Bártolo, que assume a curadoria da exposição da Galeria Bessa Pereira, chama a atenção para o pormenor com que Jacobetty Rosa criou todo o mobiliário – dos puxadores aos pequenos cortes, passando pelos veios da madeira, contínuos de umas gavetas para as outras no aparador da sala de jantar, por exemplo. E ainda para o facto de “em algumas divisões haver reminiscências clássicas e neoclássicas”, seguindo, ao mesmo tempo, noutras zonas da casa, “as linhas do modernismo, acolhendo todas as influências característica dos meados do século XX”. Jacobetty Rosa tenta sempre corresponder aos desejos do casal Miguel Ferreira Martins e Maria Guilhermina Cayres. Uma casa à medida. E isso, embora não pareça, tem tudo a ver com os dias de hoje.
Um apartamento à Estrela > Galeria Bessa Pereira > R. de São Bento, 426, Lisboa > T. 93 516 7270 > ter-sáb 14h30-19h30 > 8 abr-14 mai