DEUSES DA MÚSICA
Há vidas que merecem ser contadas. Quatro documentários para ver e, porque não, dançar
1.”What Happened, Miss Simone?”: Nina Simone, a mulher que queria ser livre
É com uma plateia em pé a aplaudir Nina Simone (1933-2003) que começa o documentário What Happened, Miss Simone? Ao longo de 101 minutos de gravações inéditas, imagens de arquivo e, através de testemunhos, cartas e entrevistas, traça-se o percurso da artista, mas também o da mulher (viveria relações atormentadas, consigo própria e com os outros, numa luta com a bipolaridade e a adição às drogas). “Quando atuava, era brilhante e amada. Mas também era revolucionária. Encontrou um propósito no palco, um lugar onde podia usar a sua voz para falar em nome do seu povo”, resume a filha, Lisa Simone Kelly. Nina Simone começou a estudar piano aos 3-4 anos e sonhava ser a primeira pianista clássica negra na América. Ao longo da carreira, marcada pela luta dos direitos civis dos negros nos EUA, a cantora recebeu 15 nomeações para os Grammy e o prémio Grammy Hall of Fame, em 2000. Alcançou a fama, mas o que sempre quis foi ser livre. De Liz Garbus, 2015, 101 minutos > Netflix
2.”Quincy“: O génio Quincy Jones
Louis Armstrong, Ray Charles, Frank Sinatra, Michael Jackson. A lista de artistas para quem Quincy Jones compôs músicas e produziu discos é infindável (foi ele quem descobriu Oprah Winfrey), tendo-se tornado um gigante da música, um colecionador de prémios e uma voz ativista, primeiro pelos direitos dos negros, mais tarde pela pacificação entre os rappers. Rashida Jones, uma das seis filhas do compositor e produtor, divide com Alan Hicks a realização do documentário Quincy. E assim temos acesso a filmagens íntimas da vida de “Q”, como é conhecido pelos mais próximos. Exemplo disso é o dia em que sofreu um coma diabético, já com 80 anos, e estava aos poucos a voltar a si. Sobre esse episódio diz mais tarde, em entrevista no documentário, que reviu a vida toda em décadas. É mais ou menos dessa forma que Quincy chega aos ecrãs: em saltos do passado para o presente, com direito a entrarmos no Natal dos Jones (teve sete filhos ao todo, de cinco mulheres, tem netos e bisnetos) e na festa dos 80 anos em que a música não é a tradicional, mas sim o tema Happy Birthday, de Stevie Wonder, um dos seus grandes amigos. De Alan Hicks e Rashida Jones > 2008 > 124 minutos > Netflix

3.”Miss Americana”: O outro lado de Taylor Swift
Ensinada para ser uma miúda feliz e educada, Taylor Swift – a mulher mais bem paga no mundo da música em 2019, segundo a revista Forbes – assume no documentário Miss Americana: “Tornei-me a pessoa que todos queriam que eu fosse.” Desde cedo, percebeu que, para destacar-se, era preciso ter uma caraterística especial: “A minha é contar histórias nas músicas. Sei que sem escrever as minhas músicas não estaria aqui.” Ao longo do documentário, realizado por Lana Wilson, assistimos desde a composição de temas a concertos, bem como às batalhas que a cantora pop travou para mudar a sua imagem. Também lá está o conflito com o casal Kim Kardashian/Kanye West, um momento particularmente dramático na sua vida, e o episódio de assédio sexual que a levou a tribunal. “Quando se vive da aprovação de estranhos, uma única coisa má pode fazer ruir tudo”, refere a dada altura. Miss Americana mostra-nos, mais do que uma miúda gira que começou por cantar música country, uma Taylor Swift que assume também o papel de feminista e ativista dos direitos das mulheres e pela igualdade. De Lana Wilson, 2020, 85 minutos > Netflix
4.”Rolling Thunder Revue“: Dylan revisitado
Depois de No Direction Home, de 2005, que traçava a vida de Bob Dylan e o seu impacto na música popular norte-americana do século XX, Martin Scorsese volta ao percurso do primeiro músico a vencer o Nobel da Literatura. E recua até 1975, ano em que Dylan lançou o álbum Blood on The Tracks e deu início à digressão Rolling Thunder (com datas nos EUA e no Canadá), que haveria de revelar-se caótica e cheia de falhas. A ideia não era tanto a de promover novas canções ao vivo, mas a de atuar em salas pequenas, para aqueles que não iam aos concertos maiores. Nestes espetáculos, Dylan nem sempre subia ao palco sozinho, convidando outros artistas, como Joan Baez e Joni Mitchell. O documentário vai alternando imagens de época com entrevistas atuais – Bob Dylan incluído, numa rara prestação. Sobre a digressão, o músico recorda: “Não foi um sucesso. Se medirmos o sucesso em termos de lucros. Mas foi uma aventura. Por isso, de muitas formas, foi um sucesso.” De Martin Scorsese, 2019, 142 minutos > Netflix
PENSAR O MUNDO
Três séries, em forma de documentário, que ajudam a refletir sobre os dias em que vivemos

5.”Pandemic: Como Prevenir uma Epidemia”: Os heróis na linha da frente
Uma corrida contra o tempo é o que mostra esta série documental estreada poucos dias depois de o novo coronavírus ter surgido em Wuhan, na China – das teorias da conspiração não se livra! Pandemic é arrepiante, sim, mas é sobretudo informativa, seguindo o trabalho (incansável) de cientistas e de médicos – dos Estados Unidos da América à Índia – para travar os surtos das gripes suína, das aves ou o ébola. Enquanto se vaticina a vinda de uma pandemia de “gripe assassina”, o cientista norte-americano Jacob Glanville trabalha na criação de uma vacina que sirva todas as mutações do vírus. A série recua à gripe espanhola de 1918, que matou 50 a 100 milhões de pessoas, para alertar que, na época, “não tínhamos aviões a voar da Ásia para a América, nem criações de galinhas e porcos”. “Os surtos de vírus de doenças respiratórias são mais mortais do que uma guerra”, afirma o médico e especialista Dennis Carroll. E avisa: “Quando falamos de uma nova pandemia de gripe não é uma questão de ‘se’, mas de ‘quando’.” “Achamos que o mundo em que vivemos é permanente. Temos de mudar a forma como vivemos neste planeta. Se não o fizermos, vamos pagar um preço muito alto”, admite. Vida real? De Isabel Castro e Doug Shultz, 2020, 6 episódios > Netflix
6. “Resumindo − A próxima pandemia”: Estar ou não preparado
Por estes dias, valerá a pena (re)ver o sétimo episódio da segunda temporada da série Resumindo, que vai explorar vários temas. Em A Próxima Pandemia, recordam-se várias epidemias que assolaram o mundo, como a SARS, mas alerta-se para os vírus que vão sofrendo mutações e se transformam num vírus novo (novos zoonóticos) quando chegam à população humana. Chamam-lhe a doença X para a qual, admite–se, o mundo moderno não está preparado. Bill Gates ajuda a analisar este tema tão atual. “Uma pandemia é o nosso maior risco”, alerta o fundador da Microsoft. “O grande problema é que não sabemos quando vai acontecer”, salienta. “Quando há uma epidemia, qualquer que seja a dimensão, olhamos para trás e desejamos ter investido mais. Fizemos muito menos do que é preciso”, lamenta Bill Gates. De Joe Posner e Ezra Klein, com Bill Gates, 2018, 20 minutos > Netflix

7. “Chernobyl”: A verdade invisível
A série, de cinco episódios, conta a história do maior desastre nuclear ocorrido a 26 de abril de 1985, no reator número 4 da central de Chernobyl, no Norte da Ucrânia. Aplaudida pela crítica, a produção da HBO que venceu o Emmy de Melhor Minissérie em 2019, mostra como a população foi vítima da decadência da União Soviética e de uma permanente campanha de desinformação com as autoridades a esconderem a gravidade dos factos à população. O relato é feito a partir de testemunhos reais sobre o acidente que contaminou quase três quartos da Europa. Um “acontecimento monstro”, escreveu Svetlana Alexievich, Nobel da Literatura 2015, no livro Vozes de Chernobyl. E um murro no estômago para qualquer um. De Johan Renck, 2019, 5 episódios > HBO
SESSÃO DE CINEMA
Há animação, romance e drama nestas seis propostas
8. “O Irlandês“
Uma saga épica sobre o crime organizado nos Estados Unidos da América do pós–guerra, contada por Frank Sheeran (Robert De Niro), que recorda, ao longo de mais de três horas, os segredos e as personagens da máfia italiana. Netflix
9.”Marriage Story“
A história de uma família que tenta recompor-se e manter a união depois de um divórcio. Netflix
10.”A Herdade“
O filme, de Tiago Guedes, protagonizado por Albano Jerónimo e Sandra Faleiro, estreia-se na plataforma Filmin na versão série, co-produzida com a RTP. Filmin

11.”Roma“
O realizador mexicano Alfonso Cuarón expõe as suas cicatrizes, a preto-e-branco, num filme biográfico que conquistou o Leão de Ouro em Veneza e venceu os Oscars de Melhor Realizador, Melhor Filme Estrangeiro e Melhor Fotografia. Netflix
12.”Laundromat“
Com uma visão algo lúdica, Steven Soderbergh explica o escândalo dos Panamá Papers. Com Meryl Streep, Gary Oldman e Antonio Banderas. Netflix
13.”Klaus”
Um filme de animação para ver em família sobre amor e dádiva (e a origem do Natal). A produção espanhola, nomeada para o Oscar de Melhor Longa-Metragem de Animação, conta com dois portugueses na equipa: Sérgio e Edgar Martins. Netflix
SHOT DE BOA DISPOSIÇÃO
Nestas séries de humor, cada episódio ronda, em média, os 25 minutos. O difícil é parar
14.”O Método Kominsky“
É com humor que Sandy Kominsky, professor de teatro, e Norman Newlander, o seu melhor amigo, enfrentam as agruras e as alegrias do envelhecimento. Netflix
15.”Grace & Frankie“
Duas amigas, a bem-comportada Grace (Jane Fonda) e a excêntrica Frankie (Lily Tomlin), com mais de 70 anos, resolvem morar juntas, após descobrirem que os respetivos maridos são gays e decidiram casar. Netflix

16. “Fleebag“
Criada, escrita e interpretada por Phoebe Waller-Bridge, a história gira em torno de uma mulher, irónica e deprimida, que procura lidar com a morte da melhor amiga e as dificuldades nos relacionamentos amorosos e familiares. Amazon Prime
17. “After Life”
Comédia negra, escrita e protagonizada por Ricky Gervais, que dá vida a Tony, um homem sem nada a perder. A segunda temporada estreia-se a 24 de abril. Netflix
18. “Alta Fidelidade“
Na série, baseada no livro do britânico Nick Hornby, Zoë Kravitz é a dona de uma loja de discos, obcecada pela cultura pop e pelas listas de melhores artistas, com uma vida amorosa complicada. Hulu
19. “I’am not ok with this“
Syd, uma adolescente aparentemente comum, tenta lidar com as turbulências do Secundário, os dramas familiares, uma paixão não correspondida pela sua melhor amiga e ainda com os seus superpoderes. Netflix
COM MUITO ESTILO
Designers, caçadores de tendências, espíritos irreverentes. O mundo da moda desfila nesta seleção

20. “Very Ralph“: O sonho americano
Vestia-se de forma diferente, não gostava de moda e começou por vender gravatas. No primeiro documentário biográfico do designer Ralph Lauren, nascido no Bronx, em Nova Iorque, há 80 anos, desvenda-se a sua vida privada, da infância ao casamento de 50 anos com Ricky Lauren, e fala-se do negócio que lhe deu fama, mas que esteve à beira de perder. Dirigido por Susan Lacey (autora dos documentários sobre o realizador Steven Spielberg e a atriz e ativista Jane Fonda), Very Ralph conta com depoimentos, entre outros, de Woody Allen, Hillary Clinton, Anna Wintour e Naomi Campbell, que ajudam a perceber como as criações do designer, reconhecidas pela figura bordada de um jogador de polo, se tornaram um símbolo do sonho americano. De Susan Lacey, 2019, 104 minutos > HBO

21. “Franca: Chaos and Creation“: A cara da “Vogue Itália”
É pelo olhar do filho, Francesco Carrozzini, que este documentário biográfico revela Franca Sozzani, diretora da “Vogue Itália” entre 1988 e 2016 (ano da sua morte). Responsável por algumas das capas mais irreverentes e polémicas da história da revista, abordando temas como a violência doméstica ou os desastres ambientais, a italiana apostou na imagem, com editoriais fotografados por artistas como Peter Lindberg, e foi a primeira diretora de revista a fazer uma edição inteiramente com modelos negras (Black Issue). Entre filmes de família e conversas entre mãe e filho, este é um relato íntimo e revelador sobre uma das mulheres mais influentes da indústria da moda. De Francesco Carrozzini, 2016, 79 minutos > Netflix
22. “Dior e Eu“: Mergulho na alta-costura
Em abril de 2012, o designer belga Raf Simons torna-se diretor criativo da Maison Dior, sucedendo ao exuberante John Galliano, despedido um ano antes. Os primeiros passos de Simons na casa parisiense são relatados neste filme de Frédéric Tcheng (realizador de Diana Vreeland: The Eye Has to Travel, sobre a editora da revista Harper’s Bazaar, e de Valentino: The Last Emperor) que acompanhou, ao longo de oito semanas, os bastidores da sua coleção de estreia. Do atelier ao desfile na Semana da Moda de Paris − num apartamento com as paredes forradas de flores −, todo o processo criativo é documentado, sem filtros. De Frédéric Tcheng, 2014, 86 minutos > Filmin

23. “McQueen”: O “hooligan” da moda britânica
Nascido no East End londrino, no seio de uma cultura operária e urbana, Lee Alexander McQueen (1969-2010) criou, em pouco mais de uma década, um universo próprio. De aprendiz de alfaiataria em Savile Row a diretor criativo da casa Givenchy, com apenas 27 anos, foi na sua própria marca, McQueen, que mostrou ser mais do que um criador de moda, em boa parte graças aos desfiles originais e teatrais. Neste documentário, o caminho traça-se através de conversas com o próprio, com a família e com a equipa que o acompanhou sempre. O que vemos é um percurso semelhante ao de tantas outras “estrelas”: o talento nato, o sucesso precoce, a pressão do trabalho, os fantasmas interiores, a relação com a fama… Provocar emoções era o seu objetivo último: “Não quero que venham para os meus desfiles como para um almoço de domingo”, refere. Aos 40 anos, um dia antes do funeral da mãe, pôs um ponto final em tudo. I.B. De Ian Bonhôte e Peter Ettedgui, 2018, 111 minutos > Amazon Prime
24. “Bill Cunningham: New York“: Ver além do óbvio
“O melhor desfile de moda está, definitivamente, nas ruas.” Se Bill Cunningham assim o disse, melhor o fez, tratando de registar e de divulgar diferentes pessoas, estilos, tendências, extravagâncias na cidade de Nova Iorque, nos anos 70 e nas décadas seguintes, até à sua morte, aos 87 anos, em 2016. Fê-lo sempre de bicicleta (28 tinham-lhe sido roubadas à data de estreia deste documentário, em 2011) e de máquina ao peito, fotografando o que via e entendia ser alvo de matéria relevante – desde 1978, ao serviço do New York Times, acumulando outros trabalhos. Avesso a luxos, deixou que a equipa de filmagens mergulhasse no seu mundo. O resultado está condensado em 1 hora e 24 minutos de filme – e merece ser visto. I.B. De Richard Press, 2011, 84 minutos > Amazon Prime
