Podíamos ter entrado na cidade velha pela Porta Nova de Bisagra, de origem muçulmana e reconstruída ao estilo renascentista no século XVI. Mas o autocarro estacionou cá em baixo, perto das escadas rolantes do Paseo de Recaredo, e por aí subimos ao interior das muralhas de Toledo. A pé, a banda sonora das malas a arrastarem pela calçada acompanhou-nos até à porta do hotel Aurea.
Neste centro histórico, classificado Património Mundial da Humanidade pela UNESCO, poucos carros circulam, daí o vaivém de gente para cima e para baixo – sim, Toledo faz-se de ruas estreitas e íngremes, que obrigam a paragens para contemplar e também para recuperar o fôlego.
Logo na primeira caminhada, vimos alguns dos principais monumentos da cidade, entre igrejas, sinagogas e mesquitas, como a imponente catedral, com a sua torre de 94 metros de altura, mais alta do que a de Sevilha e com influência da mesquita-catedral de Córdova, e o sino de San Eugenio, o maior de Espanha com 18 toneladas, também conhecido como Campana Gorda. Com entrada pela porta lateral, a catedral situa-se na Plaza del Ayuntamiento, por todos chamada de Plaza de Los Tres Poderes (judicial, político e eclesiástico) devido à proximidade do Palácio de Justiça, da Câmara Municipal e do Palácio do Arcebispo e a Catedral.
Antes já tínhamos calcorreado a Plaza Zocodover, lugar do antigo mercado de “bestas de carga”, e percebido a proliferação de lojas de cutelaria, a vender espadas, facas e canivetes, e pastelarias de mazapán.
O mesmo rio Tejo, que vindo de Espanha desagua no oceano Atlântico, formando um estuário em Lisboa, banha as margens desta cidade a 25 minutos de comboio ou a 45 minutos de carro desde Madrid. Há mais de quatro mil anos, Toledo nascia do lado oposto onde está e, na outra margem do rio, os miradouros são paragem obrigatória, proporcionando as mais belas panorâmicas. Perto da água, ficavam os ofícios que dela precisavam, como os curtidores e tintureiros, até que os romanos transladaram tudo.
Descansar em quartos-museu
Entrar no hotel Aurea, um quatro estrelas de uma das sete marcas do Grupo Hotusa, é embarcar numa viagem ao passado. No Bairro dos Cânones ou Pozo Amargo (poço público que esconde uma lenda de amores impossíveis), aqui viveram padres católicos, desde o final do século XII até ao século XVII, atraídos pela vizinha catedral. Foi da fusão de sete casas-pátio típicas, uma em ruínas, outras só com fachada, que nasceu o projeto Aurea. Um restauro arqueológico realizado ao logo de 15 anos, terminado em setembro de 2023.
No hotel, está representado o emaranhado labiríntico da cidade, a remeter para o traçado sinuoso das ruas de Toledo. A luminosidade dos quartos, por darem para três ruas diferentes, vai mudando ao longo do dia.
Mantêm-se as paredes originais, abóbadas, arte islâmica, pinturas murais, painéis policromados, tetos esculpidos, colunas de granito e os lancis dos poços. As zonas comuns do hotel terão sido as antigas cozinhas, adegas, cavalariças e currais, e os pátios interiores continuam a ser utilizados, desde há um ano, pelos hóspedes.
Entre os 66 quartos de 14 tipologias existe um mais especial do que os outros, digno de estudo e apreciação por parte de especialistas em arte, com capacidade para pagarem o suplemento de mil euros, além do preço da estada. No n.º 305, as pinturas murais com sete camadas preenchem as quatro paredes. Representações do século XIV-XV, uma Maria Madalena do século XVI, mais renascentista, e frescos originais do século XV-XVII deixam qualquer um boquiaberto.
Segredos debaixo dos pés
Conhece-se melhor Toledo se descobrirmos o labirinto subterrâneo de abóbadas, arcos, corredores e porões. Até 1948, quando a água canalizada chegou à cidade, por cada três casas do casco antiguo havia pelo menos um poço ou cisterna. No bairro judeu fica o Pozo del Salvador, da época medieval, já que parte do aparelho utilizado na sua construção é dos séculos XI-XII. Descoberto em 2002, só pode ser aberto por guias turísticos credenciados. Próxima paragem: miradouro do Paseo de San Cristóbal com vista para o bairro judeu e o Museu El Greco, dedicado à obra de Domenikos Theotokopoulos (1541-1614), pintor grego que em 1577 se mudou para Toledo, onde viveu e trabalhou até morrer.
Ponto de encontro de três culturas, a primeira capital de Espanha preserva os vestígios da presença árabe, judaica e cristã em diferentes épocas da História. A Calle de Sillerias, no bairro dos artesãos, onde eram feitas as cilhas dos cavalos, dá início à zona palaciana de Toledo, um verdadeiro museu ao ar livre.
Olho atento às portas e fachadas das casas com influência muçulmana restauradas, em que os batentes das portas estão à altura de um cavaleiro em cima do cavalo. A 1 de junho, na festa de Corpus Christi, a mais importante de Toledo e uma das mais antigas, há cerca de 40 pátios abertos a visitas.
A delícia de Toledo
A laborar desde 1856, a fábrica Santo Tomé instalada num edifício do século XVI é a mais antiga de Toledo. Fazer mazapán (maçapão) é um negócio tradicional de família, agora na sétima geração, que preserva a receita original do doce natalício feito com amêndoa, açúcar e mel, mas vendido o ano inteiro. Um produto certificado com Indicação Geográfica Protegida que é o verdadeiro recuerdo de Toledo. Só em dezembro vendem 20 mil a 25 mil quilos de mazapán, o mesmo que é produzido de janeiro a novembro.
As amêndoas doces da região de Levante (Valência, Alicante, Múrcia) têm de ter 60% de gordura mínima, depois de lavadas e peladas são trituradas num moinho de pedra de granito. O açúcar é branco e o mel nacional multifloral, para dar um sabor mais neutro. Misturar estes três ingredientes demora quatro dias, entre o início do processo de fabricação e a venda, com 19 passos pelo meio. É um produto fresco, sem conservantes e com um mês de validade desde que sai do forno. Irresistível.
A VISÃO viajou a convite do Grupo Hotusa