A poucos dias de terminar a vindima no Douro, Joana Maçanita, de 42 anos, anda num frenesim. Dorme cinco horas e, no último mês e meio, conta ter feito 25 mil quilómetros de carro, se somar as viagens entre a região vinhateira e o Porto – para onde se mudou, em 2021, com os três filhos (de 16, 14 e 10 anos) – às idas a Lisboa e ao Algarve, para onde se desloca pelo menos uma vez por semana.
Fomos encontrá-la na adega da Maçanita Vinhos, situada em Covas do Douro, Sabrosa, quase rente às margens do rio, a descarregar as uvas vindas da vinha de Vilarouco, que hão de produzir o Touriga-Nacional Cima Corgo.
No Douro, a produção da empresa que Joana partilha com o irmão, o produtor e enólogo António Maçanita, começou em 2011. Apesar de já contar com um portefólio de quase 30 vinhos (do Alto Corgo, Baixo Corgo e Douro Superior), só há pouco mais de um ano abriu esta adega-boutique a visitas ao público e a provas “descontraídas”, a condizerem com a irreverência dos dois irmãos enólogos, com vinhos também no Alentejo, Açores e Porto Santo.
“Estamos situados entre duas das maiores empresas do Douro [as quintas Nova Nossa Senhora do Carmo e a do Crasto], mas, se quiseres tocar nas uvas, vens até aqui”, aponta a enóloga, agrónoma de formação, enquanto “baixa a manta” das uvas nos palotes, com um ancinho, para que a polpa se solte da película, ganhando cor e estrutura.
Entre a adega, a loja onde os Portos envelhecem e um alpendre a olhar o Douro, tanto se provam vinhos em barrica, cuba ou a copo (dois, a partir de €20) como se saboreia um almoço típico duriense (perna de peru assado, com arroz de forno feito pela D. Rosinha, acompanhado de cinco vinhos) ou se organizam passeios de barco, entre o Pinhão e o cais do Ferrão. Tudo para grupos de oito pessoas, no máximo, “com tempo para dar atenção a cada um”, sublinha Joana.
Mas o enoturismo no Douro dos irmãos Maçanita há de crescer – e muito –, quando, daqui a três anos, abrirem uma adega, construída de raiz (o local está no segredo dos deuses), que incluirá alojamento, restaurante e sala de provas, “num projeto muito semelhante” ao do Azores Wine Company, na ilha do Pico.
Ainda que pequena, desde que, em 2022, abriram a adega ao enoturismo registaram um aumento de 35% de visitantes. A aposta dos dois enólogos na região é bem fundamentada. “O Douro por si só é a região-ícone de Portugal. Foi ela que viajou para o mundo, para que o mundo soubesse que Portugal fazia vinho. Tem um terroir muito próprio e, dentro dele, vários perfis”, aponta Joana.
O exemplo dos irmãos Maçanita não é caso único. No último ano, têm-se multiplicado as novidades na região demarcada mais antiga do mundo, que, em 2023, é Cidade Europeia do Vinho: novas adegas, restaurantes, lojas e bares de vinho, alojamentos – do agroturismo a hotéis cinco estrelas, a pensar no mercado norte-americano e brasileiro de luxo, que tem vindo a descobrir o Douro –, sobretudo no Baixo Corgo e Cima Corgo, devido às acessibilidades trazidas pelo túnel do Marão.
Com dados relativos apenas à primeira metade do ano, o Turismo Porto e Norte de Portugal indica um crescimento de dormidas, até junho, de 10% a 12% na região do Douro Vinhateiro. E a previsão é de crescimento para o resto do ano.
222: a “estrada Michelin”
Se outrora eram as casas de família nas quintas as únicas a servir refeições, atualmente, só no troço da estrada 222, que liga a Régua ao Pinhão, contam-se quatro restaurantes de chefes de cozinha com Estrelas Michelin.
Após o pioneiro DOC, de Rui Paula (em 2007), seguiram-se, só no último ano, o Bomfim 1896 with Pedro Lemos, na Quinta do Bonfim (sucedeu ao Casa dos Ecos, em 2020); o Seixo by Vasco Coelho Santos, na Quinta do Seixo (em setembro do ano passado) e, no último mês de abril, o Bistrô Geadas, dos irmãos brigantinos Óscar e António Geadas, na Quinta do Tedo. Mas há mais novidades na restauração.
Em julho, a Quinta de São Luiz, do grupo Sogevinus, abriu o seu primeiro restaurante no hotel The Vine House (uma antiga casa de família, reconvertida em 2022), chefiado pelo bairradino Vítor de Oliveira, com uma cozinha que aposta nos produtos e nas tradições do Douro e de Trás-os-Montes.
Seja na sala seja no terraço sobranceiro ao Douro, o chefe de cozinha serve tábuas generosas de charcutaria ibérica e transmontana, com queijos de cabra biológicos de Vimioso, arroz de bacalhau, cujo caldo demora 24 a 30 horas ao lume, polvo cozinhado no pote de ferro, cachaço de porco bísaro com puré de castanhas… E tudo o que dá a quinta vai também para a mesa: amêndoas, laranja, dióspiros, figos e, claro, os vinhos. “Para o ano, vamos plantar favas e ervilhas, no meio das vinhas. A nossa preocupação é ter uma aposta na agricultura, tal como na vinha. Temos de ter pratos para o vinho, e não vinho para os pratos”, realça Vítor de Oliveira.
Também desde que Carlos Marques assumiu a cozinha do The Vintage House, em março, que o primeiro hotel de cinco estrelas no Pinhão passou a olhar de outra forma para os ingredientes locais, adaptados a uma carta menos formal, que tanto pode ir das bifanas e hambúrgueres, servidos no terraço a olhar o vai-e-vem dos barcos, como aos arrozes de garoupa ou de enchidos, degustados no clássico restaurante Rabelo.
Num pequeno baldio anexo ao hotel, o chefe mostra, com orgulho, a horta de ervas aromáticas plantada há uns meses – e estas quer temperam a sua cozinha “de fine dining com aproximação regional” quer as centenas de piqueniques servidas numa cesta, na vizinha Quinta da Roêda (propriedade do mesmo grupo, The Fladgate Partnership), no meio da vinha do Porto Croft.
Quem também ampliou este tipo de refeições descontraídas e ao ar livre foi a Quinta do Bomfim, do grupo Symington, que abriu, neste verão, o Merenda na Vinha: um lugar construído de raiz, em socalcos, com relva e um bar de apoio, preparado para servir piqueniques durante o ano inteiro e “sem limite de tempo”, realça Maria Azevedo, responsável pelo enoturismo.
Sentados em mantas, no chão e a olhar para as videiras do Porto Dow’s, os visitantes recebem uma cesta, preparada pelo chefe de cozinha Pedro Lemos, com comida típica de quinta: sopa de tomate coração-de-boi, carapau de escabeche, covilhete de Vila Real, queijos, com vinhos branco e Porto incluídos.
A diversificação das ofertas gastronómicas tem sido uma tendência na região. Até fins de outubro, e pela primeira vez, o grupo Sogrape abriu a sala antiga, no primeiro piso da Estação do Pinhão, para servir petiscos confecionados por Vasco Coelho Santos. No Douro Bites – aberto durante o dia até à chegada do último comboio vindo do Porto (pelas 18 horas) –, o gaspacho de tomate, a salada de polvo ou a sanduíche em pão hokaido (brioche) sabem mesmo bem, enquanto se olha o Douro pela janela e se escuta o apitar do comboio.
A comida e o vinho andam sempre ligados. E foi por eles que, há dois meses, em Peso da Régua, na adega da antiga casa de lavoura dos avós, onde passava as férias de verão em miúda, Maria Aguiar abriu o bar de vinhos Libatio. Além das colheitas de várias regiões portuguesas, “de produtores mais esquecidos e do mundo”, nomeadamente da andaluza Jerez de la Frontera, a advogada, de 34 anos (que esteve um ano a tomar conta do bar no Comida Independente, em Lisboa), serve uma carta de petiscos pensada pela chefe brasileira Marcela Guirelli.
“Quando estou com a neura, vou ao cinema a Vila Real. Não custa viver aqui”, diz a advogada Maria Aguiar, que não se arrepende de ter trocado Lisboa por Peso da Régua onde abriu o bar de vinhos Libatio
O chão em gravilha, as duas grandes pipas antigas e o balcão com mais de 20 lugares convidam a conversas descontraídas sobre o vinho, ao som de música, enquanto se petiscam tremoços, tiborna, rillette (porco com pão e picles) ou as típicas Vó Gilda (espetadas inspiradas nos pintxos espanhóis).
Maria Aguiar gosta de se “desafiar” e não se arrepende de ter deixado Lisboa, e uma carreira no Direito, em troca de um bar de vinhos no Peso da Régua. “Quando estou com a neura, vou ao cinema ou ao café-concerto a Vila Real e, nos dias de folga, ao Porto, para matar saudades de amigos. Não custa viver aqui”, assume, feliz.
Mais dormidas no meio da vinha
Na aldeia vinhateira de Provesende, a mais brasonada do País, abriu em junho a Casa do Santo Wine & Tourism, um agroturismo com sete quartos, da família Pinheiro da Veiga, nascido a partir das ruínas de uma casa de caseiros. O nome é o mesmo do solar do século XVIII, propriedade da família, que se avista do hotel junto aos vinhedos, onde morou Joaquim Leite Pereira, conhecido por ter descoberto a cura para a praga da filoxera, e tetravô de Maria Pinheiro da Veiga, a jovem, de 26 anos, que gere este agroturismo. “Para mim, o Douro é família, é casa e tradição. Com este projeto, quero honrar a História e os nossos antepassados”, diz.
Entre fotografias, mobiliário e peças antigas, que decoram a Casa do Santo – com piscina exterior rodeada de vinha, onde apenas se escutam os pássaros –, Maria gosta de contar aos hóspedes os episódios de outrora, passados de geração em geração. “Não vivi nessa altura, mas é como se tivesse vivido. Um projeto destes precisa de amor”, diz, sem lamentar ter trocado o Porto por esta aldeia vinhateira, “em ritmo slow motion”.
Tal como este, nos últimos meses vários alojamentos, vocacionados para diferentes segmentos de turismo, têm nascido no meio das vinhas. A Quinta da Faísca, em Favaios, Alijó (quatro apartamentos, com projeto do arquiteto Carlos Castanheira), ou a Quinta do Pessegueiro, em Ervedosa do Douro (uma casa de luxo com oito quartos, alugada por inteiro, com preços que ultrapassam os três mil euros/noite, do grupo francês Zannier), são dois exemplos. Mas haverá mais novidades.
No próximo trimestre, em Armamar, abrirá o novo cinco estrelas do grupo Terras & Terroir (donos da Quinta da Pacheca): a Quinta do Barrilário. Construída em socalcos, com 31 quartos e suítes virados para o rio, uma capela do século XVIII, restaurante, piscina e loja de vinhos, a unidade nasce a pensar no segmento de luxo e de negócios. “É um mercado que o Douro tem de explorar melhor. Para o potencial que detém, pelo facto de ser uma das regiões mais importantes do mundo, ainda oferece pouco alojamento”, reforça Bernardo Mesquita, diretor-geral de operações do grupo Terras & Terroir.
O Torel Douro Valley – Quinta da Vacaria, do grupo Torel Boutiques, é outro cinco estrelas a gerar burburinho na região. Com 33 quartos e suítes, duas piscinas, dois restaurantes e um SPA, ficará situado em Vilarinho dos Freires, Peso da Régua, e tem abertura prevista para a primeira metade de 2024. Dentro de três anos, também a Quinta do Bomfim, da Symington, no Pinhão, se prepara para ter um boutique-hotel, ao lado do Centro de Visitas, com 30 quartos, mas, antes disso, deverá abrir ao público a adega acabada de construir, na Quinta do Ataíde, no Vale da Vilariça, em Torre de Moncorvo.
GUIA DE PASSEO
VER
Bienal Internacional Gravura Douro Quinhentos artistas de 65 países expõem cerca de 800 obras em 15 espaços museológicos, espalhados por Alijó, Celeirós, Chaves, Favaios, Foz Côa, Peso da Régua, São Martinho de Anta e Vila Real. Vários locais Douro > até fim de outubro
COMPRAR
Maçanita Vinhos Provas a partir €20 (dois vinhos); viagem pelos quatro cantos de Portugal €70, 1h30; viagem de barco pelo rio, com visita à adega, prova de cinco vinhos e almoço (€150). Quinta Senhora do Carmo, Covas do Douro > T. 91 529 2751 > seg-dom (marcação prévia)
COMER
Douro Bites – Pop up > Estação do Pinhão, Largo da Estação, Pinhão > seg-dom 10h30-18h30 (até fim de outubro)
Bistrô Terrace Família Geadas > Vila Seca, Folgosa, Armamar > T. 91 083 2707 > qua-dom 12h-15h, 19h-22h
Libatio – Bar de Vinhos > Vinho a copo (a partir €4); petiscos (€3 a €15). R. de Vila Franca, Peso da Régua > T. 91 675 2866 > qui-seg 18h30–22h30
Merenda na Vinha > Menu piquenique, com garrafa de vinho Altano branco e copo de Porto Dow’s 10 anos €40 (mínimo duas pessoas). Quinta do Bomfim, Pinhão > T. 254 730 350 > seg-dom (reserva antecipada) Piquenique: €40 (mínimo duas pessoas)
Restaurante Rabelo > The Vintage House > R. António Manuel Saraiva, Pinhão > T. 254 730 230 > seg-dom todo o dia
São Luis by Chefe Vítor de Oliveira > Menu à carta ou de degustação (€75, pessoa, com cinco vinhos do Porto). Quinta de São Luiz, EN 222, Adorigo > T. 96 855 7608 > ter-sex 19h30, sáb-dom 12h30-15h30
DORMIR
Casa do Santo Wine & Tourism > R. Cabo de Vila, Provesende, Sabrosa > T. 254 102 517 > a partir €160, com pequeno-almoço
Quinta da Faísca > Quatro apartamentos suspensos nos vinhedos desenhados pelo arquiteto Carlos Castanheira. Favaios, Alijó > T. 93 403 0209 > a partir de €250
Quinta do Pessegueiro > Decorada pela OitoEmPonto, a casa tem oito quartos e serve cozinha tradicional. Lugar da Afurada, Ervedosa do Douro > T. 254 422 081 > €3 000/casa inteira, mínimo duas noites