São dez da manhã e a esplanada do Pão de Canela está ao sol. As mesas estão quase todas cheias, tal como lá dentro. Fátima, vizinha e habituée, chega para o café com a cadela Maria e, porque é quarta-feira, também um grupo de amigos vem jogar xadrez. “Somos a âncora da Praça das Flores. Um sítio muito familiar e particular que atravessa gerações e onde se cruzam antigos e novos moradores”, diz Filipa Tavares, que com Filipa Machado, gere o Pão de Canela.
Quando abriu, há 25 anos, funcionava apenas como pastelaria, mais tarde ganhou o espírito de restaurante, servindo a qualquer hora. Ao domingo, o brunch buffet tornou-se um clássico e há quem não se canse das farófias de Alice, uma das funcionárias mais antigas da casa, e da bola de carne. Já o bacalhau à Lisboa e o pulled pork (carne de porco desfiada, cozinhada lentamente), servido com batatas fritas e ovo estrelado ao jeito de uns ovos rotos, também valem a visita.
Em 2022, as remodelações feitas pela designer de interiores catalã Isabel López Vilalta (autora de projetos como o restaurante El Celler de Can Roca, em Girona) deram-lhe um ar mais moderno, mantendo o conforto e carisma. “Quando abrimos, só existia o extinto Conventual, agora há mais oferta, damo-nos todos bem”, sublinha Filipa Tavares.
No Cafeh Tehran, com uma dezena de mesas na calçada, entre o meio-dia e as 23h30, reina a cozinha iraniana com influências do Médio Oriente, da Síria à Turquia. Nos pratos, salta à vista a cor, seja o hummus de beterraba com tostas de focaccia oriental caseira ou a sopa de tomate iraniana, com ou sem koofteh (almôndegas de carne de vaca ou borrego), sugestões de um menu curto de sabores intensos pensado por Pooneh Niakian.
Nascida no Irão e a morar em Portugal desde os 2 anos, abriu o Tehran no final de 2017. “Vivo perto e andava à procura de um sítio onde pudesse ter o meu restaurante”, conta Pooneh, 32 anos. “Gosto desta vida de bairro e da praça. É resguardada, calma e há uma mistura de pessoas, entre portugueses, expatriados e turistas.”
Emma Pucci e Valentina Pilia não são turistas, mas estão quase sempre na Praça das Flores onde têm, há cerca de três anos, o Flores Textile Studio, uma loja e atelier de decoração de interiores, recheada de mantas, tapetes e almofadas feitas por artesãos nacionais. Dos mais finos bordados ao ponto de Arraiolos, dos cobertores de papa às mantas alentejanas, aqui moram peças feitas a partir de técnicas e materiais tradicionais, a que se juntam algumas marcas internacionais.
Sabores do mundo
Pelas quatro e meia da tarde, já o sol vai desaparecendo entre as árvores altas e robustas do Jardim Fialho de Almeida, no centro da praça. A brisa corre fria, mas não o suficiente para demover os clientes sentados no exterior do Magnólia, inaugurado em julho.
Lá dentro, é provável que reconheça o fresco pintado no teto – era aqui que funcionava a Padaria Renascente até o belga Yves Callewaert, 46 anos, e a brasileira Camila Martins, 36, a transformarem num pequeno bistrô. “O Yves costumava tomar café na padaria e um dia pediu à proprietária para conversar. Como já tinha vontade de passar o espaço, chegámos a acordo”, conta Camila.
Começaram por abrir só ao jantar, mas a ideia de Camila “foi sempre abrir para o café da manhã e brunch”. O projeto há de crescer, por agora é possível comer um croissant de pistácio quentinho ou o pão de queijo feito na casa ao pequeno-almoço; experimentar a focaccia com tartine de shitake, queijo Comté, geleia de pimenta e pickles de cebola roxa, ao almoço; e partilhar com os amigos a couve-flor assada com molho tahini ou o Camembert folhado com mel e tomilho, ao jantar.
Ao lado do Magnólia fica o El Cebichero, o mais recente inquilino da praça e dedicado à gastronomia peruana, dos ceviches aos tiraditos, “embora os baos sejam uma coisa que também nos distingue”, dizem Duarte Cardeira e João Baptista, dois dos sócios do restaurante. Seja ao balcão, seja nas mesas, promove-se a partilha e o convívio. A equipa é peruana, assim como o chefe Teófilo Quiñones, que desenhou a carta.
O ceviche El Clandestino, uma mistura de peixes e mariscos brancos com molho de coentros, e o tiradito peruano, feito de lâminas de peixe branco banhadas com creme cítrico de aji amarillo, são os preferidos dos proprietários. Para acompanhar, Duarte, que já foi chefe de bar, destaca os cocktails com pisco, bebida típica do Peru. Garantida está a boa onda e, em breve, uma vertente de bar-disco mais presente com DJ sets.
A provar que na Praça das Flores cabe o mundo, o Coppola é uma viagem a Itália de olho nas pizzas. O colombiano Kevin Muñoz é o chefe de cozinha deste restaurante de ar industrial e paredes de tijolo burro à vista. As pizzas são feitas com massa de fermentação lenta e têm um twist. “As combinações de ingredientes são muito diferentes e, de três em três meses, vou a Itália buscar inspiração”, assegura Kevin.
A originalidade comprova-se nas sugestões: a dirty jaca leva jaca orgânica marinada e desfiada, mozzarella vegan, molho chipotle fumado, cebola caramelizada e salsa; a crispy pancetta vem com mozzarella Fior di Latte, fatias de batatas assadas, pancetta, cebola, amêndoas e tomilho. Às quartas-feiras, ao jantar, há happy hour: por dez euros, come-se uma pizza marga acompanhada de um cocktail ou outra bebida.
Despertar ao entardecer
Há uma esquina da praça que se enche ao final do dia, prolongando-se noite dentro. Rui Matias, 43 anos, fundou a Cerveteca há nove anos e lembra-se de ver a praça quase vazia à noite. Os tempos mudaram e o bar foi-se adaptando.
Às cerca de 60 referências de cerveja artesanal em garrafa e lata, e mais 12 servidas à pressão, juntam-se agora os cocktails. Os clientes habituais têm-se mantido: “Tenho orgulho na quantidade de gente do bairro que se conheceu na Cerveteca.” Outros foram chegando, entretanto, e Rui voltou a inovar com noites de quiz (primeira e terceira quartas-feiras do mês) e de intercâmbio linguístico (quintas), uma boa maneira de fazer novos amigos.
Quase sempre cheio até à porta, o Black Sheep serve cerca de 200 referências de vinho a copo ou meio copo (“para dar a possibilidade de provar os mais caros”), fruto do trabalho de pesquisa de Bruna Aguiar e do marido, Lucas Ferreira. São vinhos biodinâmicos, orgânicos, biológicos, de várias regiões, não só portuguesas, com identidade e personalidade, porque, para Bruna, “um vinho tem de exprimir o lugar de onde veio e quem o fez”.
O casal de brasileiros chegou a Portugal em 2019, depois de uma temporada em Inglaterra a estudar vinhos, e em 2020 surgiu a oportunidade de ficar com o bar. “É uma das zonas mais especiais da cidade, pela História e pela diversidade de pessoas, tem uma carga cultural autêntica e lisboeta”, diz Bruna, que “ama” ir, com Lucas, comer o prego ao vizinho Indanoite é uma Criança, um dos bares mais antigos de Lisboa.
Julien Boisseau, 41 anos, passou de gerente a proprietário do Flores da Pampa, bar-restaurante onde a música dá o mote – ao vivo, em formato DJ ou com o próprio Julien a pôr os seus discos – e se complementa à mesa com uma cozinha baseada nos produtos da estação, locais e orgânicos, e uma seleção de vinhos naturais.
O Flores da Pampa há de crescer para uma mercearia de produtos portugueses, e quem sabe alguns franceses, diz Julien, a abrir aqui ao lado, e para uma loja de plantas, que tomará o lugar da Cavalo de Pau, em frente à vizinha Assembleia da República. Para já, são elas, as plantas, que decoram o bar-restaurante – 70, para sermos precisos, tantas quantos os lugares sentados. Uma onda verde que parece trazer a bonita Praça das Flores para dentro de portas.
Porta a porta
N.º 18 > Flores da Pampa
Restaurante/bar com música e comida para partilhar. T. 21 585 5054 > seg-dom 18h-1h
N.ºs 25-29 > Pão de Canela
O brunch de domingo é um clássico deste restaurante e pastelaria. T. 21 397 2220 > seg-dom 8h30-23h30
N.º 40 > Cafeh Tehran
Gastronomia do Médio Oriente. T. 21 073 6530 > seg, qua-dom 12h-23h30
N.º 43 > Magnólia
Pequeno bistrô aberto todo o dia. T. 93 531 5373 > seg, qua-dom 9h30-23h30
N.º 46 > El Cebichero
Ceviches, tiraditos e baos são as especialidades. T. 96 361 1214 > qua-dom 18h-1h
N.º 53 > Flores Textile Studio
Estúdio de design de interiores e loja de têxteis. T. 93 299 8653 > seg-sex 10h-19h (outros horários por marcação)
N.º 56 > Coppola
Pizzas e cocktails com combinações diferentes. T. 21 395 0411 > seg-dom 18h30-00h30
N.º 62 > Black Sheep
Bar de vinhos com mais de 200 referências a copo. Ter-qui 19h-23h30, sex 18h-1h, sáb 19h-24h
N.º 63 > Cerveteca
Serve cerveja artesanal e tem noites de quiz. Qua-sáb 16h30-24h, dom e ter 16h30-22h30