Quando Rita Gaspar abre a porta das duas salas que guardam as reservas de antropologia e etnografia do Museu de História Natural e da Ciência da Universidade do Porto (MHNC-UP), percebemos porque antes a antropóloga e curadora nos havia dito ser “um cofrezinho de tesouros”. Em gavetas, armários e caixas guardam-se memórias de um passado longínquo. A maioria das peças (não cabem aqui todos os 120 mil objetos da coleção) data do final do século XIX, oriundas de Ásia, África ou Oceânia, fruto de doações particulares ou trocas com museus europeus. Mas também veremos alfinetes (fíbulas) do período Romano e taças do Neolítico encontradas numa escavação em Chaves.
Abertas a pequenos grupos (4 pessoas), as visitas às reservas do MHNC-UP guiadas pelos curadores pretendem abrir as portas deste museu universitário em construção (ver caixa) “que conta a história da educação e da evolução da Ciência ao longo dos tempos”, realça Fátima Vieira, vice-reitora para a cultura da UP. É o caso das lanças, arcos e flechas (alguns trazidos de Timor, nos anos 60, por um antigo estudante) que nos mostrará Rita Gaspar, exímia a contar as histórias por detrás de cada objeto. Veem-se bancos de soba (chefes africanos), e bastões que eram “o símbolo do poder”, como aquele que pertenceu à etnia africana chócue, com a representação “de um chefe pastor, caçador, com barba, mãos e pés muito aumentados, e um toucado com o símbolo da cegonha-negra de África”, exemplifica.
Vermelho para os mais preciosos
Descemos para a cave, climatizada entre os 15 e os 17 graus, que acomoda a reserva de zoologia, com exemplares desde os finais do século XIX até aos nossos dias – anfíbios, répteis, aves, insetos e peixes, como o esturjão, extinto dos rios portugueses. Os três curadores, Ricardo Lopes, José Manuel Grosso Silva e Helena Gonçalves, dividem-se de acordo com as espécies do mundo animal, aqui preservadas em líquidos ou embalsamadas.
“Estes frascos com fita vermelha são os nossos exemplares mais preciosos, em caso de catástrofe, serão os primeiros a ser levados”, aponta a bióloga Helena Gonçalves, responsável pelas coleções de peixes, anfíbios (sapos, rãs, tritões, salamandras) e répteis (cobras e lagartos) oriundos de todo o mundo. “É importante que, antes de virem para cá, sejam limpos e livres de pragas”, explica Ricardo Lopes, cientista e curador de aves. Só depois são colocados em estantes e centenas de gavetas para serem estudados, ordenados e investigados. Foi o que aconteceu com a coleção de 1 300 colibris, em tons de verde, azul e até rosa, recolhidos pelo cônsul Braga Júnior, entre 1850 e 1870, no Brasil e em outros países da América do Sul, ou com as coleções de 50 mil escaravelhos e de 18 500 borboletas noturnas que nos há de mostrar o biólogo José Manuel Grosso Silva, responsável pelos insetos. Num mundo sob ameaça, percebe-se que aqui são levantadas inúmeras questões, todos os dias, sobre a sobrevivência das espécies.
Da fauna, seguimos para a flora. “O herbário é como uma biblioteca. As informações estão organizadas por grupo botânico, ordem alfabética, o tempo e o espaço onde se retirou a planta”, há de explicar a bióloga Cristiana Vieira enquanto abre uma das inúmeras gavetinhas de um armário gigante, ou as pastas que guardam musgos, fichas, ilustrações, livros de campo, correspondência… Com 130 mil espécimes de Portugal e do mundo, esta coleção nasceu em 1863, sobretudo com plantas recolhidas pelo naturalista Gonçalo Sampaio. “Os herbários sempre funcionaram como uma rede comunitária de pessoas. É como as trocas dos cromos repetidos, eu trago uma planta e troco-a com alguém”, diz a curadora, também ela uma recoletora. “Nunca se traz só um pezinho, ninguém resiste não é? As mãos colam-se [risos].” A passagem pela carpoteca (laboratório de sementes) e pela xiloteca (amostras de madeiras) inclui a visita aos bastidores desta coleção de plantas e deste museu que, no futuro, terminadas as obras de reabilitação do edifício, contará a história da vida.
Museu de História Natural e da Ciência da Universidade do Porto > Edifício da Reitoria > Pç. Gomes Teixeira, Porto > quartas e sábados 14h30 > Marcação: visitas@mhnc.up.pt > €24,50 (grupo, até 4 pessoas)
Um museu em construção

Criado em 2015, o Museu de História Natural e da Ciência da Universidade do Porto (MHNC-UP) surge da fusão do antigo Museu de História Natural com o Museu da Ciência. Está dividido em vários polos: Galeria da Biodiversidade, Jardim Botânico, Laboratório Ferreira da Silva (aberto ao público em abril de 2021) e o polo central no Edifício da Reitoria (quatro pisos ainda em obras de reabilitação). Em outubro de 2024, o terceiro piso será o primeiro a abrir, com as coleções de zoologia (aves e anfíbios) e o herbário. Nos restantes, todos virados para o Jardim das Oliveiras e a Torre dos Clérigos, serão expostas, de forma gradual, as coleções de minerais, antropologia e etnologia. Já neste verão, estará a funcionar o Museu Digital, uma plataforma online com 25 mil registos das coleções.