Estamos debaixo da ponte 25 de Abril, no primeiro centro de escalada ao ar livre da capital. Se olharmos para cima, vemos os carris do comboio que cruza as margens do Tejo, e podemos ouvi-lo perfeitamente sempre que passa (este é o caminho que fazem as centenas de pessoas que vão ver as vistas ao Pilar 7). E se trepássemos pela parede que aqui existe agora, subiríamos até aos 12 metros de altura.
Mesmo sem saber nada de escalada, ou ter qualquer tipo de equipamento, poderíamos ter alugado uns pés de gato (sapatilhas que acondicionam os pés para não se escorregar), um arnês para pôr à cintura e prender as cordas, um capacete e pó de magnésio para que as mãos adiram bem às presas, e depois comprar umas aulas com instrutor.
Ainda por cima, existe aqui um sistema de autossegurança que permite um treino individual. Normalmente, a escalada implica duas pessoas: uma que sobe, outra que fica no chão a segurar a corda.
A génese deste centro nasceu da cabeça de Patrick Mills, que se iniciou em escalada há quatro anos. Desde essa altura, e como vive em Alcântara, olhava sempre para os pilares da ponte com vontade de os trepar. Juntou-se a mais três sócios, pediram financiamento colaborativo à plataforma Goparity, porque o projeto estava alinhado com os objetivos de desenvolvimento sustentável, e em poucas horas 454 investidores ajudaram a atingir os 25 mil euros pretendidos para juntar ao investimento pessoal.
A ideia tornou-se então realidade no final de junho. Além da parede de 12 metros, há um bouldering de três metros e meio. Esta parede desenvolve-se na horizontal, exige mais a força e não são necessárias cordas, pois há colchões para amparar as possíveis quedas. “É muito bom para crianças e pessoas com vertigens”, nota Luís Zagallo, outro dos sócios, que agora também se tornou um escalador, claro.
No futuro, nesta área existirá um ginásio de fitness para preparar os músculos e tendões para o esforço físico de trepar. No final, haverá ainda duches à disposição.
Dantes não havia aulas
No jardim do Vale do Silêncio, nos Olivais, em Lisboa, também há duas paredes para bouldering, e as quedas são amparadas pelo chão mole, mas têm sempre menos clientela do que a outra de 12 metros que serve de treino a quem gosta de ir escalar para a rocha. Neste oásis no meio da cidade, não há barulho de carros nem de comboios e quase dá para imaginar que se está em plena Natureza, o habitat natural de quem pratica este desporto. O equipamento esteve desativado durante a pandemia e reabriu há pouco mais de um mês, com novos root settings (mudança de linhas, boulders ou presas colocadas nas paredes) e mais vias.
José Pinto, 55 anos, é um dos habitués desta estrutura artificial de escalada, gerida pela Federação de Campismo e Montanhismo de Portugal, mas de livre utilização – leia-se de graça e sem qualquer tipo de fiscalização no local. Às vezes, ao fim de semana, encontram-se por aqui técnicos da federação a monitorizar e a verificar se as cordas e outros acessórios que os escaladores utilizam estão homolgados.
Pelas suas características, as mesmas que existem em Monsanto, por exemplo, exige-se que se leia as normas de segurança, afixadas neste parque. De qualquer forma, tem de se ir munido de material, que no caso da escalada é muito e volumoso. E a camaradagem torna-se evidente, ao fim de uns minutos a observar quem por aqui anda.
“Dantes não havia aulas, aprendíamos uns com os outros. Agora, até o João Garcia [alpinista famoso] dá uns cursos e às vezes calha vê-lo por aqui, a brincar”, conta Tomás Schiapa, 37 anos, que já tem duas décadas deste desporto no currículo e muitas escaladas em rocha.
José Pinto só entrou nestas andanças há três anos, embora saiba bastante do assunto. Não admira: vem para aqui três vezes por semana e, consoante a companhia, passa várias horas a escalar a parede, nas suas diferentes vias. “Já cheguei a subir dez vezes num só dia.” Depois de aventuras como essas, sente bem o esforço nas pernas e sabe que tem de dar tempo para que o corpo recupere.
A escalada é ancestral. Ajuda na parte cognitiva, a gerir o tempo, o medo e a autoconfiança
Luísa Xavier, praticante há mais de uma década
José e Tomás estão apenas de calções, que o calor não se aguenta, cumprimentam-se antes e depois da subida, comunicam com as palavras certas, são cúmplices na escalada. Dois dias depois, José traz Vítor Feiticeiro, 37 anos, um colega de trabalho que conseguiu desviar há pouco tempo para estas andanças (são ambos mecânicos de aviões). Verificam com rigor, por razões de segurança, se os nós das cordas estão bem dados, começam a subir pela via de aquecimento. Mais tarde, hão de passar a manhã a experimentar outras mais desafiantes. “Ele é forte, qualquer dia vai ultrapassar-me”, assume o mentor, de riso solto e em frente ao amigo mais novo que, neste momento, escala ligeiro a parede ao ar livre, rumo ao céu azul de verão.
Como uma dança
Com 260 metros quadrados de área de parede escalada, o Murus – The Climbing Temple abriu há pouco mais de um ano num armazém no parque empresarial em Vila Nova de Gaia, por iniciativa de um empresário argentino que decidiu trocar Buenos Aires pelo Porto. Quem gere o negócio é a filha, Marina Molnar, 30 anos, juntamente com a companheira, Catalina Fregonese, professora de Educação Física. Com a pandemia, Marina viu diminuído o trabalho nas estâncias de esqui da Áustria e Andorra, e decidiu mudar-se para a Europa com o pai para abrir este ginásio. Todas as sextas, o route setting é alterado: “Tiramos as presas, limpamos e voltamos a montá-las. É um trabalho que requer criatividade e conhecimento de escalada. A modalidade cresceu com a entrada no desporto olímpico, mas ainda temos de a dar a conhecer em Portugal”, constata Marina, num português quase fluente.
A mesma opinião tem Luísa Xavier, 32 anos, praticante há mais de uma década e que em outubro de 2020 abriu o São Roque Climbing, o primeiro ginásio de bouldering da zona de Campanhã, no Porto, para colmatar “a falta de um espaço onde se pudesse praticar”. “A escalada é ancestral. Trata-se da busca do movimento pela intuição, uma dança com o corpo onde se usa as extremidades. Ajuda na parte cognitiva, a gerir o tempo, o medo e a autoconfiança”, aponta a brasileira com um mestrado em Ciências da Educação pela Universidade do Porto. É o que tem sentido David Cerqueira, 49 anos, desde que vem duas vezes por semana ao Murus. “Aqui mexe-se tudo, porque se põe o corpo em diferentes posições. Sinto que durmo melhor, tenho mais paciência e energia”, nota. O pastor evangélico não procura aulas assistidas, mas o ginásio dispõe de acompanhamento com monitor, para adultos e crianças.
Desde que começou a praticar escalada, há cerca de meio ano, Joel Santos, 35 anos, tem-se sentido “mais ágil e com outra capacidade mental”. O programador informático passa os dias sentado ao computador “concentrado na mesma atividade”, e percebeu que “precisava de fazer alguma coisa que mexesse com a parte física”, ajudando-o ao mesmo tempo a desligar do trabalho. “Sofro de vertigens, mas aqui sei que estou num ambiente seguro, se cair tenho os colchões”, confessa, sorridente, corpo a transpirar, enquanto passa as mãos pelo magnésio líquido. Com os pés de gato calçados, lá vai ele a subir até chegar aos 4,70 metros de altura e tocar com as duas mãos no último boulder – um dos objetivos desta modalidade indoor.
Trepar paredes: Onde aprender e praticar
Vértigo Climbing, Lisboa
Ginásio indoor, a funcionar desde 2014, junto ao rio Tejo. Tem aulas de grupo para todas as idades e organiza escalada ao ar livre. Av. Infante Dom Henrique, Edifício Beira Rio, fração S > T. 21 132 0947 > seg-sex 10h-23h, sáb 10h-20h, dom 10h-18h > utilização livre a partir de €9/dia, aulas a partir de €25, aluguer de material a partir de €3
Escala 25, Lisboa
Debaixo da Ponte 25 de Abril, junto ao Pilar 7, o novo centro de escalada ao ar livre da cidade tem aulas para diferentes níveis, packs de iniciação e passes para quem quer escalar a qualquer altura. Av. da Índia, Pilar 7 > T. 91 091 6739 > seg-sex 10h-20h, sáb–dom 10h-18h > passe diário a partir de €9,20, aulas a partir de €19, aluguer de material a partir de €2
Associação Desnível – Escola de Escalada da Guia, Cascais
Av. Senhora do Cabo (junto ao farol da Guia) > T. 96 130 4923 > €10 (aula de iniciação), €50 (workshop dois dias)
Estrutura Artificial de Escalada Olivais, Lisboa
O equipamento está à guarda da Federação de Montanhismo e Campismo de Portugal. Parque Vale do Silêncio, R. Cidade Nova > grátis
Estrutura Artificial de Escalada Monsanto, Lisboa
Parque Florestal de Monsanto, Avenida Portugal, 89 > grátis
Murus – The Climbing Temple, Vila Nova de Gaia
Av. Vasco da Gama, 774, Parque Empresarial Fercopor > T. 22 772 2177 > seg-qui 10h-14h, 16h-22h, sex 16h-22h, sáb-dom 10h-19h > utilização livre €8/dia, aulas €56 (adultos), €35 (menores 12 anos)/mês
São Roque Climbing, Porto
Situado próximo do Bonfim, distingue-se pela parede de escalada em madeira, com 400 metros quadrados. Às sextas, ao fim da tarde, tem música com um DJ. R. de Godim, 312 > T. 93 810 7714 > seg 16h-22h, ter-sex 10h-14h, 16h-22h sáb-dom 10h-14h > utilização livre €7/dia, aulas €40 a €45/mês
The North Wall, Matosinhos
R. do Tronco, 375, Núcleo Empresarial Sarcol, Espaço WO.5, S. Mamede de Infesta > T. 22 117 7406 > seg-sex 14h-22h, sáb 10h-18h, dom 10h-14h30 > utilização livre €6 (até 17h), €8 (17h-22h), mensalidade €50/4 aulas por semana, €60/2 aulas por semana