Quem atravesse a Rua de Gondarém, na Foz, mal caia a noite, não dará conta de que na Padaria Formosa se prepara a massa para a broa de milho e para as 45 variedades de pão que hão de entrar no forno lá pelas duas ou três da manhã. Numa das padarias mais antigas do Porto (1898), a noite é de trabalho para os 11 padeiros que, manhã cedo, levam o pão da Formosa a hotéis e restaurantes da cidade, e até aos barcos–hotel que sobem o Douro. Às sete, abrem-se as portas a quem queira comprar pão fresco para o pequeno-almoço. Além de bijou, regueifa, mistura ou centeio alemão, há também o de frutos vermelhos, espinafres, milho e girassol. “Ou com tudo o que os clientes quiserem”, garante Rui Freitas, gerente da padaria, na família da mulher desde 1922.
Na fila da Formosa, anónimos cruzam-se com celebridades da Foz. Dos nomes da bola (Pepe, jogador do Besiktas, Iker Casillas, guarda-redes do Futebol Clube do Porto, “respetiva” Sara Carbonero, e por aí fora…) aos da política, como Augusto Santos Silva, ministro dos Negócios Estrangeiros. É um cenário habitual desta zona, a mais burguesa do Porto. Muitos consideram a Foz um bairro, “uma aldeia dentro da cidade”, dir-nos-á o escritor Richard Zimler, que lá vive há quase 30 anos. “Para quem está habituado a viver na Foz, é difícil sair daqui”, atira a costureira Maria Celeste, que já perdeu a conta aos vestidos que fez para as meninas levarem ao baile de debutantes e as senhoras aos bailes de gala do Clube Portuense. Maria Celeste só lamenta que as lojas antigas tenham fechado. Na Rua Senhora da Luz, só a Morgado resiste (fez 75 anos). “Os cabeleireiros estão por todo o lado, mas nem uma boa retrosaria existe”, nota.
Na Rua de Gondarém, às terças, quintas e sábados de manhã, a carroça de Domingos Almeida está estacionada com os legumes de Negovilde. Há mais de 20 anos que o último agricultor da Foz vende legumes por estas ruas. Nesta semana traz cebola nova, alface, pencas, favas e batata. O negócio “já foi melhor”, embora ainda se venda tanto “aos mais velhos como aos mais novos”, conta o sr. Almeida, 78 anos, conhecido por aqui andar com o seu cavalo Castelo. Agora é o novato Rafa que o acompanha, foi trazido da Golegã por mão amiga desta figura típica da Foz. “Está bom, sr. Almeida?”, acenam-lhe do outro lado da rua. Pelas 11 horas, há de ir-se embora “montado no Ferrari”, como chama à sua carroça.
Antigamente, a Foz era separada do Porto por montes e terrenos, lugar de longas férias de verão. Atraídos pelo mar, também aqui continuam a chegar os turistas, à boleia do elétrico no1, com paragem no Passeio Alegre, quase em frente à casa (fechada) de Eugénio de Andrade. Amalia Naveira e Marie-Claude Triquet, de Lyon, confessam que não esperavam “encontrar uma cidade tão bonita e com este mar”, depois de terem percorrido a Avenida do Brasil. Toda a marginal do Douro à Foz, desde a Cantareira até ao Castelo do Queijo, é escolhida por quem gosta de fazer caminhadas ou andar de bicicleta. Apreciando, por vezes, a forte ondulação do mar na Barra ou parando aqui e ali, nas muitas esplanadas, como a da Praia da Luz, onde tanto se saboreiam ostras ao natural (€12) como se come uma cataplana de peixes e mariscos (€35/duas pessoas) ou se bebe um gin (a partir de €9).
As míticas noites da D. Urraca
Eugénio de Andrade escreveu sobre o jardim romântico do Passeio Alegre: “Chegaram tarde à minha vida as palmeiras. Em Marraquexe vi uma que Ulisses teria comparado a Náusicaa, mas só no jardim do Passeio Alegre comecei a amá-las. São altas como os marinheiros de Homero.” Aqui são vários os motivos para uma visita. O coreto, as fontes, as casas de banho com azulejos de Arte Nova e loiças inglesas, o Chalé Suisso (1873) – o quiosque de Camilo Castelo Branco e Ramalho Ortigão –, o minigolfe e o Lawn Tennis Club da Foz. É ainda a zona das míticas discotecas Twins (1974) e D. Urraca, a mais antiga do Porto (1967), que, a par do bar Bonaparte e do Indústria, formavam a meca notívaga da cidade. “A origem da noite do Porto foi aqui”, lembra Álvaro Silva, filho do fundador da D. Urraca, que agora só abre para festas privadas com jantar incluído. “As pessoas estão a voltar às origens e gostam de reviver um bocadinho as festas dos anos 70-80”, diz-nos, entre cadeiras e sofás estofados, paredes revestidas a tecido, chão de madeira e a mesma decoração de outrora com alusões à rainha de Castela e Leão e da Galiza.
Apesar de ser uma zona nobre da cidade, com um dos preços mais altos por metro quadrado, a Foz ainda se faz de costumes antigos. Dos pãezinhos de leite da Mercearia Augusto (1954), que tanto vende foie gras como queijos, fiambre à fatia ou pão. Do sabor dos queques caseiros do Café Moreira, onde Eugénio de Andrade costumava almoçar, feitos por Maria Lúcia há mais de 40 anos, “com ovos caseiros”. Ou dos croissants da Doce Mar, na Avenida do Brasil, de onde há mais de 60 anos saem quentinhos duas vezes por dia (de manhã cedo e a partir das 16 horas, e paredes meias com a casa, ao abandono, de António Nobre).
Até o velhinho Mercado da Foz – tem mais de 70 anos e servia para os agricultores escoarem os produtos – tem vindo a ser renovado pela junta de freguesia. Entre as antigas bancas de legumes, fruta, peixe e carne, novos projetos também têm surgido: os cachorros gourmet do Famous Dog, com nomes de cães célebres do cinema (Lassie, Scooby, Snoopy, Rex), a Hamburgueria, as pizzas de massa fina do Peco, a comida saudável dos Frascos, os brigadeiros coloridos da Brigadão, da brasileira Luísa Werfel, ou o sushi da Origami.
Por aqui, juntam-se moradores com turistas, que fotografam e acham graça ao mercado antigo, mas, sobretudo, empregadas que vêm fazer as compras para encher a despensa da casa dos patrões. “Setenta por cento das vendas da nossa banca de peixe são feitas por elas logo de manhã”, conta a peixeira Celeste Cadilhe. Foi na banca da fruta que encontrámos Helena Cruz, 55 anos, que trabalha há mais 30 com uma família da Foz. Veio comprar laranjas para fazer “o sumo dos meninos, os netos da senhora”.
Negócios à mesa do Cafeína
Muitos negócios se terão consumado à mesa do Cafeína, um dos restaurantes mais especiais de Vasco Mourão, nascido há 23 anos na Rua do Padrão. Da cozinha de Camilo Jaña saem propostas tão diferentes como o carpaccio com lascas de foie gras e queijo São Jorge DOP (€10,50), bacalhau gratinado com creme de cebola assada e migas de broa (€19) – adaptação do prato que chegou a chamar-se bacalhau à Dilma, depois de, em 2012, a antiga Presidente do Brasil ter feito escala no Porto, a caminho da Alemanha, só para o provar – ou o magret de pato com molho de vinho do Porto e cuscus de cogumelos (€18,50). “Vendo pratos, bebidas, mas também ambiente, decoração, atmosfera. É a mesma coisa que pôr sal na comida”, explicou-nos, um dia, Vasco Mourão, o empresário que pôs a Foz no mapa da restauração de luxo. Além do Cafeína, tem o Terra, a Casa Vasco e o Portarossa. Já nas ruas estreitas da Foz Velha, é Pedro Lemos quem brilha. O chefe distinguido com uma Estrela Michelin aumentou a fasquia do seu restaurante, que leva o seu nome e que está aberto há oito anos (dois menus de degustação, €110 e €130 por pessoa).
Na Foz, também as lojas são especiais. É o caso da THE – Design & Moda que se mudou, em 2016, para a vistosa Avenida do Brasil e aposta “em peças únicas com intemporalidade e conforto”, resume Teresa Pimentel, uma das sócias. As peças de Moyuru, Simona Tagliaferri ou Issey Miyake – alguns nomes entre a meia centena de designers que encontrará por aqui – podem ir dos 180 aos 1800 euros (caso de um vestido de Miyake). Por aqui, as lojas de roupa de criança de marca própria também se multiplicam. Muitas começaram online e foram aparecendo, quase por brincadeira. Por exemplo, a Piupiuchick, das irmãs Mariana e Inês Pimentel que, com a prima Marta Moreira, abriram a loja na Rua de Diu. Nascidas e criadas na Foz, desenham coleções para bebés e crianças até 14 anos. A deste verão tem alusões a David Bowie e ao rock “escutado pelos pais nos anos 80”. A Foz, contam, “é um bairrinho”, onde os filhos ainda se divertem nas ruas e andam, de casa em casa, a brincar com os amigos. E onde ainda se ouve (os mais velhos, claro) dizer: “Vou ao Porto.”
COMER:
Restaurante Cafeína
R. do Padrão, 100, Porto > T. 22 610 8059 > seg-dom 12h30-18h, 19h30-00h30, sex-sáb até às 01h30
Casa Aberta
Cozinha portuguesa reinventada e de partilha.
R. Padre Luís Cabral, 1080, Porto > T. 91 596 3272 > ter-qui 12h30-14h30, 19h30-22h30, sex-sáb até às 23h, dom 12h30-15h
Confeitaria Tavi
Fundada em 1935, é um dos ícones da Foz. Destaca-se pela pastelaria cuidada e pela esplanada com vista para o mar
R. Senhora da Luz, 363, Porto > T. 22 618 0152 > seg-dom 8h30-20h
Mercearia Augusto > R. Passeio Alegre, 924, Porto > T. 22 618 0301 > seg-sáb 9h-20h30, dom 10h30-13h30, 15h-20h
Padaria Formosa > R. de Gondarém, 362, Porto > T. 22 618 0781 > seg-sex 7h-19h, sáb 7h-17h, dom 8h-13h
Restaurante Pedro Lemos > R. Padre Luís Cabral, 974, Porto > T. 22 011 5986 > ter-sáb 12h30-15h, 19h30-23h
Sabores da Herdade
É loja gourmet e garrafeira, mas também serve petiscos e vinhos a copo.
R. da Cerca, 450, Porto > T. 22 616 1160 > seg-qui 10h30-20h, sex-sáb 10h-21h
COMPRAR
Anabela Baldaque > R. Padre Luís Cabral, 1075, Porto > T. 93 405 6264 > ter-sáb 11h-13h30, 14h30-19h
Hip Hop Hooray
Decoração para festas com diferentes temáticas.
R. Senhora da Luz, 79, Porto > T. 22 017 8667 > seg 14h30- -19h30, ter-sex 10h30-19h30, sáb 10h30-13h30, 15h-19h
Patuska
Marca portuguesa de roupa para criança até aos dez anos.
R. Senhora da Luz, 204, Porto > T. 96 179 0106 > seg-sáb 10h30- -13h30, 15h-19h30
Piupiuchick
R. de Diu, 222, Porto > T. 22 610 3026 > seg-sex 10h30- -19h, sáb 10h30-13h30
Rhino Home Store
Decoração e acessórios para a casa.
R. do Padrão, 99 > T. 22 616 8021 > seg-sáb 10h30-13h30, 14h30-19h30
THE – Design & Moda
Av. Brasil, 446, Porto > T. 93 651 9324 > seg-sáb 10h-19h30
SAIR
Bonaparte Foz
Pub com mais de 30 anos, cheio de antiguidades.
Av. do Brasil, 130, Porto > T. 22 618 8404 > seg-qui, dom 17-02h, sex- sáb 17h-03h
D. Urraca > R. Padre Luís Cabral, 1086, Porto > T. 91 537 8322