Acredito que muitos fiquem com vontade de me espancar ao lerem que adorava o corvo da taberna ao pé de nossa casa. Mas antes de invejarem o facto de ter crescido numa Lisboa de outros tempos, lembrem-se de que a idade traz a maioria das vezes dores de costas. E também não vale a pena enxofrarem-se com o óbvio atentado aos direitos dos animais – claro que acho triste ver preso um animal tão inteligente.
O corvo da taberna da Rua do Patrocínio crocitava um “Olá!” muito límpido, nunca ultrapassado pelo palrar do papagaio cinzento que veio o suceder-lhe no poleiro. Tinha um ar tão vivaço que se lhe dessem mais tempo teria aprendido a repetir o grugulejar dos perus que em vésperas da Consoada esperavam ser comprados num passeio vizinho. Nada de especial, na verdade. Se calhar é uma memória falsa, mas cheira-me que os corvos do parque do Museu Condes de Castro Guimarães, em Cascais, imitavam o zurrar da burra Catarina.
Em Lisboa havia com frequência um corvo à porta das tabernas que invariavelmente faziam as vezes de carvoarias. Hoje quase só os vemos pousados em caravelas na calçada portuguesa. E ai de quem os pise nas imediações do Liceu Pedro Nunes, na Estrela – toda a gente sabe que é chumbo pela certa.