1. Continuo à Espera de que me Peçam Desculpa
Michela Marzano

Ceder é o mesmo que consentir? A protagonista revive as suas experiências pessoais enquanto aborda temas “sensíveis” com os seus jovens alunos e alunas: os movimentos #MeToo, o casamento, a pornografia, a violação, a sexualidade vivida pelas filhas do feminismo, as ambiguidades… Rose McGowan e as vítimas de Harvey Weinstein, Gisèle Halimi, as “silence breakers”, Ghislaine Maxwell e Jeffrey Epstein, a escrita de Virginie Despentes ou de Nabokov, todos são citados neste relato pré-terramoto Gisèle Pelicot. E que impele ao questionamento profundo, semelhante às regras do jornalismo: quem, o quê, onde, como, quando, porquê? Asa, 328 págs., €18,80
2. Orbital
Samantha Harvey

O mundo enlouqueceu, todo som e fúria, ferro e fogo, garantem as notícias. Respire-se fundo e olhe-se para dentro e para cima através do telescópio de papel que é Orbital: romance magro de páginas, traz perspetiva, recordando-nos de que somos a proverbial poeira de estrelas, que há beleza nesta bola a flutuar na escuridão. Vencedor do Prémio Booker, alinhado pela mão de uma escritora com talento para detalhe e elipse, o livro usa o dispositivo joyceano: tudo se passa num único dia no Espaço, 16 órbitas e alvoradas vividas por seis astronautas (americanos, britânicos, italianos, japoneses e russos) a trabalhar no “quintal da Terra” – que, à distância, bem poderia ser o paraíso do Além. Entre maquinetas e gravidade zero, fazem-se descobridores, de si mesmos e da Humanidade. Todos têm, lá em cima, face à Terra-Mãe, “momentos de uma aniquilação repentina dos seus eus de astronautas e de uma sensação poderosa de infância e pequenez”. E interrogam-se, e nós com eles: como estamos a escrever o futuro da Humanidade? Particular Editora, 160 págs., €17,50
3. James
Percival Everett

Há um fascínio especial por ficções que reinventam histórias, e James, que recebeu o National Book Award em 2024, merece-o. Versão do clássico de Mark Twain, As Aventuras de Huckleberry Finn, tem a sua narrativa comandada por Jim, o escravo cansado de ter o “escaleto no alpendre”, num violento Mississípi, que se faz à fuga. A sua linguagem ecoa (de propósito, descobriremos) os estereótipos esperados pelos brancos – cheia de erros e ritmos próprios. A sua viagem será acidentada, como a de um Pinóquio às avessas: há de ser enganado por pretensos aristocratas, vendido a uma trupe que usa o hoje censurável dispositivo de brancos a atuarem com cara pintada de negro… Jim, homem verdadeiro, fará justiça. Livros do Brasil, 288 págs., €19,99
4. Eu que Não Conheci os Homens
Jacqueline Harpman

Publicado em 1985, mas inédito em Portugal, este extraordinário romance tem uma premissa simultaneamente distópica e ancestral: 39 mulheres e uma adolescente estão presas numa cave há muitos anos, numa jaula vigiada por homens que nunca lhes dirigem a palavra. A jovem, que nunca viu um céu ou um espelho, sente a “fome de um saber para o qual não se teria qualquer utilidade”, avisam-na as mais velhas. Desconhece-se a razão de estarem ali: houve um cataclismo de alguma espécie, “gritos, labaredas, caos”. Mas o livro transformar-se-á numa peregrinação por este mundo pós-apocalíptico, uma fábula sobre a humanidade, escrita com emocionante economia narrativa. Uma pérola. Livros do Brasil, 208 págs., €17,75