1. Chico Fininho
“Gingando pela rua / Ao som do Lou Reed / Sempre na sua / Sempre cheio de speed / Segue o seu caminho / Com a merda na algibeira / O Chico Fininho / O freak da cantareira.” Com estes versos imortais, Rui Veloso lança, em 1980, o primeiro single do moderno rock português, embora acompanhado pelos UHF, com Cavalos de Corrida. O álbum Ar de Rock será o primeiro de uma longa parceria com Carlos Tê. O público, que vivia na primeira década consumista portuguesa, estava sequioso. Vieram mais, como os GNR, os Xutos, os Táxi, Salada de Frutas, Já Fumega, Trabalhadores do Comércio e muitos outros, em bandas ou a solo.
2. Televisão a cores
Em março de 1980, o sistema PAL andava na boca de toda a gente. Na verdade, era a tecnologia adotada pela RTP para lançar a televisão a cores, em Portugal, aproveitando o Festival da Canção desse ano. Em boa hora, numa altura em que, embora ainda sem canais privados, a televisão portuguesa se agitava, muito por ação da primeira e marcante telenovela nacional, onde vimos, em Vila Faia, um talentoso Nicolau Breyner, que conhecíamos da comédia, a fazer um grande papel dramático, no seu par com Margarida Carpinteiro.
3. O Cartão Jovem
Os jovens dos anos 80 foram os primeiros a viver uma década inteira em democracia. A adesão europeia surgiu mais ou menos a meio do decénio e o consumismo iniciou a sua longa ditadura. O cartão jovem, uma ideia europeia importada pelos governos de Cavaco Silva, dava acesso mais fácil a mais bens e serviços. Mais do que uma forma de pagamento com desconto, o cartão operou uma mudança de mentalidade…
4. MEC e Herman
O semanário O Independente, para os amigos, o “Indy”, lançava no panorama jornalístico e político português dois grandes nomes: Paulo Portas (então muito irreverente, quando jurava que jamais seria capaz de vestir fato e gravata…) e, sobretudo, a alma mater, Miguel Esteves Cardoso. O semanário tornou-se objeto de culto, só comparável ao Humor de Perdição com que, na cinzentona RTP, Herman José sacudia o mofo e as mentalidades…
5. A sida
Já andava por aí, mas foi quando se conheceram as primeiras mortes de famosos que o pânico invadiu a cidade. Ainda agora nos tínhamos libertado de preconceitos e entrado na nossa própria – e tardia – revolução sexual e já nos impunham a abstinência… É verdade que o preservativo podia mitigar a coisa, mas usá-lo foi, para muitos, pior do que usar máscara, na pandemia que nos assolou 40 anos mais tarde…
6. Portugal na CEE
Editado em março de 1981 pela EMI – Valentim de Carvalho, o primeiro single dos GNR chama-se Portugal na CEE. No final dos anos 70, o PS de Mário Soares tinha feito da adesão europeia um slogan célebre – “A Europa Connosco”. Mas, “perdidos no trânsito” de dois resgates do FMI, só chegámos ao Mercado Comum (Comunidade Económica Europeia, CEE), o grande El Dorado dos portugueses de todas as classes e idades, com o Tratado de Adesão, assinado em 1985, entrando, de pleno direito, a 1 de janeiro de 1986. Vinha aí “um milhão de contos por minuto” de fundos europeus, para olear as obras do cavaquismo…
7. Totoloto e multibanco
Numa época em que as apostas desportivas se confinavam ao Totobola, o advento do Totoloto marca um antes e um depois, nos jogos da Santa Casa. Entrava em declínio não só o Totobola, mas também a própria Lotaria Nacional… E para levantar dinheiro, na segunda metade da década, os bancos colocaram nas ruas uma espécie de slot machine e um mágico cartão de plástico que nos libertava de filas ao balcão: era o multibanco, com o seu icónico bonequinho…
8. O golo de Carlos Manuel
Não há nenhum adepto que já tivesse consciência futebolística a 16 de outubro de 1986 que não se lembre onde estava quando o pontapé de Carlos Manuel deu o golo da vitória a Portugal, em Estugarda, frente à poderosa RFA (Alemanha Ocidental) e o apuramento para o Mundial do México, no ano seguinte (o 2º apuramento da História, 20 anos depois do primeiro). O pior foi o que aconteceu depois, em Saltillo…
9. O Tollan
Faziam-se excursões de todos os pontos do País para ver o destroço do Tollan, o porta-contentores britânico que, a 16 de fevereiro de 1980, após ter colidido com o navio cargueiro sueco Barranduna, encalhou, frente à Ribeira das Naus, na zona ribeirinha mais nobre de Lisboa. De “pernas para o ar”, o navio gigante parecia um desolado cachalote a contemplar, melancolicamente, o Cais das Colunas, ali ao lado. O Tollan até deu o nome a restaurantes e cafés da zona e, depois de muitas tentativas para o desencalhar, lá se despediu dos lisboetas em dezembro de 1983. Deve ter havido quem tenha vertido uma lágrima…
10. A queda do Muro
A 9 de novembro de 1989, a queda do Muro de Berlim seria a data mais marcante do final da Guerra Fria, depois de meia década de degelo trazida pela perestroika e pela glasnost de Mikhail Gorbachev. Os contemporâneos dos anos 80 assistiam, assim, ao vivo e a cores (pela TV) a um dos acontecimentos mais importantes do século XX.
Um calhamaço
Em A Década Prodigiosa. Crescer em Portugal nos Anos 80, o jornalista e diretor de canais da SIC Pedro Boucherie Mendes faz uma exaustiva investigação sobre os acontecimentos, os costumes e as pequenas e grandes histórias dos anos 80 do século XX. Partindo do ponto de observação de um adolescente que cresce ao ritmo da década, o autor não se limita às suas próprias memórias e experiências pessoais, tendo consultado extensa documentação, nomeadamente, jornais da época, e recolhido testemunhos de pessoas de vários pontos do País, o que permite uma abordagem inovadora que vai para lá da perceção geral. Da política às artes, dos hábitos às modas, da televisão ao consumismo – eis o relato de uns anos loucos que se estendem até 1992, data da abertura dos primeiros canais privados de televisão. — D. Quixote, 661 págs, €29,90