1. Chiquinho
Baltasar Lopes
“O Chiquinho do Baltasar Lopes!” Se, de viagem por Cabo Verde, perguntar que livro deve ler – ou por onde começar na riquíssima literatura do país –, a resposta será sempre aquela, ao ponto de a obra ter inaugurado uma recente coleção de clássicos, a preços acessíveis, da Biblioteca Nacional cabo-verdiana. Publicado em 1947, estamos perante um dos livros fundadores da identidade de Cabo Verde, fonte para os movimentos de resistência e uma inspiração para futuras gerações. Regressa agora às livrarias portuguesas com o retrato da primeira metade do século XX e da dura realidade das populações mais pobres, com passagens pelas ilhas de São Nicolau e São Vicente e pela diáspora nos EUA. L.R.D. Caminho, 304 págs., €17,90
2. Visitar Amigos e Outros Contos
Luísa Costa Gomes
Escriba excelentíssima da narrativa breve com oficina complexa, dotada de humor, humanidade e soluções de Defunto Elegante (para roubar o título do seu romance coescrito com Abel Barros Baptista em 1996), Luísa Costa Gomes reúne, neste seu primeiro livro de contos inéditos, 13 narrativas em torno do eixo comum do 25 de Abril, radiografando o antes-durante-depois do País, mas também o território das amizades, dos ideais, dos equívocos. Dos pedreiros aos intelectuais desiludidos por quedas de muros, dos jovens aos velhos e, suspeita-se, até à própria autora, todos poderiam talvez dizer, como se lê em A Ditadura do Proletariado, que “a vida é breve e nem tudo é como se quer. Não será original, mas é vivido”. A escrita, essa, é sempre redentora, como a cadeira de baloiço no conto Impaciência, “que é a melhor para a escuta, indo atrás e vindo à frente”: “A conversa também se senta”. Sentemo-nos, pois. Sílvia Souto Cunha Dom Quixote, 232 págs., €18,80
3. A Selva Dentro de Casa
Possidónio Cachapa
Dedicado a todos aqueles que “adormeceram para sempre, entre palmeiras distantes, imaginadas por nós a preto e branco, e que nunca pediram para ver”, ou seja, os jovens que foram enviados para a Guerra Colonial, despachados para combater “os turras” e salvar um império que desconheciam, este romance faz um retrato intimista, terno e terrível, do Portugal pobre e colonial, partindo de mapas autobiográficos. Possidónio Cachapa ancora a narrativa nas suas próprias memórias de um tio perdido em África nesse tempo em que “a morte vinha mais pelo correio” anunciada nos envelopes verde-pálido da mobilização. Comandada pela voz de uma criança, a história desfia uma selva de cobras e combates, mas também a selva humana do bairro na Margem Sul onde a miséria era destino e dinastia. O soldado Quim e o seu sobrinho assombrar-nos-ão depois da última página. S.S.C. Dom Quixote, 280 págs., €18,80
4. Corpo Vegetal
Julieta Monginho
“A orquídea que Samson X me deu é da espécie Cymbidium, classe Liliopsida. Por mim a classe devia chamar-se Liliocida ou mesmo Femicida, dado o aspecto feroz. Faz lembrar uma constelação de estrelas rosa-antigo que se despenhasse inteirinha sobre quem a vê.” A ambivalência pressentida é sinalizada por Mimi, também ela dividida entre sonho e ameaça, como acontece com tantas vítimas (e ela resiste a sê-lo), entre dois homens importantes na sua vida: a estrela literária americana Samson X, para quem serviu de tradutora e de quem foi vítima de abuso sexual, e o pai que a quer como parceira da redação-testamento da sua epopeia. Julieta Monginho, escritora e ex-magistrada do Ministério Público, exerce uma escrita minuciosa e lírica até quando esta história percorre os meandros (surreais) da Justiça, e quando Mimi ouve isto: “Não podes continuar a depender das palavras dos outros. Words, words, words, lembras-te?” S.S.C. Porto Editora, 176 págs., €16,65
5. A Cegueira do Rio
Mia Couto
Iniciado há mais de 40 anos, o percurso literário de Mia Couto tem sido marcado por uma incansável busca de novos territórios para literatura, demanda que pode ser definida usando dois versos seus: “Preciso de ser um outro/ para ser eu mesmo.” Os seus contos, romances e poemas estão em constante procura da alteridade, o espaço entre mundos e fronteiras, o que pode passar pela invenção de novas palavras (pulsão há muito abandonada) ou por personagens em busca da sua identidade. A Cegueira do Rio é mais um passo (sem direção bem definida) nessa demanda. Num registo inédito, aqui encontramos, quase ao mesmo nível, o português quotidiano, termos das línguas do Norte de Moçambique, imagens, pictogramas e sobretudo personagens a reclamar a sua própria fala, confirmando ou contradizendo a narrativa que se constrói. Um romance cativante, polifónico e plural, que inventa um passado e uma memória para um episódio do qual pouco se sabe e que todos os protagonistas quiseram esquecer: o do ataque alemão à guarnição portuguesa de Madziwa, na margem do rio Rovuma (no Norte do atual Moçambique) nos primeiros meses da I Guerra Mundial. Metafórico, o romance faz equivaler à falta de memória um mundo sem escrita, como se sem passado todos os rios deixassem de poder ter margens. Luís Ricardo Duarte Caminho, 328 págs., €18,90
6. Autobiografia de Jesus
Miguel Real
O mais inesperado livro de Miguel Real, escritor, filósofo e crítico literário de enorme influência nas últimas décadas. É certo que a vida de Jesus já deu muita e boa literatura e o próprio autor tem um historial em abordagens biográficas. Mas o que mais surpreende é o enfoque, já que nestas páginas se defende que “Jesus foi o homem mais fracassado da civilização Ocidental”. O romance começou a ser escrito quando Miguel Real ainda andava na catequese e é o resultado de uma relação quebrada aos 14 anos. Também reflete a sua erudição e o seu conhecimento, a sua capacidade de reconstituição histórica e a argúcia interpretativa. Ecce Homo (eis o homem), entre o que terá vivido e como foi recordado. L.R.D. Dom Quixote, 288 págs., €18,80
7. Vermelho Delicado
Teresa Veiga
Há poucas escritoras com o domínio da narrativa curta como Teresa Veiga, três vezes vencedora do Grande Prémio de Conto Camilo Castelo Branco. Aqui, alinham-se sete contos, assombrados pela herança da literatura gótica (Rebecca, de Daphne du Maurier, A Mulher de Branco, de Wilkie Collins…) e pelas distorções do quotidiano, atravessando temas como o das vidas virtuais, das fobias antienvelhecimento, das traições, dos lutos. É preciso ter cuidado com a doçura das coisas, prescrevia Raphaële Billetdoux – ou com a loucura mansa. As mulheres destas histórias esgrimam muitas vezes contra os poderes patriarcais – e as suas evasões cobram um preço irreversível. Leia-se o conto A Estalagem de Aldebarã, em que a protagonista aceita um bizarro emprego para fingir que é a castelã falecida, com “um sorriso de Buda nos lábios, que lentamente se foi apagando à medida que o meu cérebro retomava o comando das operações”. S.S.C. Tinta-da-China 136 págs., €15,90
8. Pulmões
Pedro Gunnlaugur Garcia
Se a literatura islandesa é pouco publicada em Portugal (embora não seja das menos representadas devido ao esforço de algumas editoras, como a Cavalo de Ferro), as suas obras escritas por portugueses são uma verdadeira novidade. Pedro Gunnlaugur Garcia, nascido em Lisboa em 1983, filho de mãe islandesa e pai português, criado em Reiquiavique, destaca-se logo por essa excecionalidade, que, no entanto, não é apenas uma curiosidade. Pulmões, o seu segundo romance, ganhou o mais importante prémio da Islândia, que em edições anteriores já distinguiu grandes nomes. Trata-se de uma história que cruza geografias e tempos, recuperando a tradição das sagas islandesas (a que o pai do protagonista escreveu) com ingredientes que facilmente associamos ao realismo mágico. É também uma obra com vários registos, do diálogo à árvore genealógica, que do ano de 2089 olha para o passado e o presente que agora vivemos. L.R.D. Guerra & Paz, 304 págs. €19
9. Bambino a Roma
Chico Buarque
O mais recente livro de Chico Buarque, publicado na sua chegada aos 80 anos, é um encantador exercício de memória, com laivos de ficção à mistura. Uma viagem no tempo, aos dois anos passados em Roma, entre 1953 e 1955, para onde a família se mudou quando o pai, Sérgio Buarque de Holanda, foi convidado a dar aulas na cidade italiana. O futuro músico, compositor e escritor, tinha então nove anos, pouco ou nada sabia sobre a vida, o amor ou a história do seu próprio país, quanto mais de Itália. E é no selim da sua bicicleta, com uma bola de futebol nos pés ou em escapadelas pelas ruas de Roma, que o vemos desbravar as primeiras emoções, viver uma inocente paixoneta, e até iniciar-se na arte da escrita em inglês. O registo é leve, com algum sentido de humor à mistura, aplicado na figura deste menino-malandro, para quem a liberdade era tudo. Sete décadas mais tarde, estreia-se na literatura de memórias, de forma particular. E conta: “Eu dividia o quarto com meus dois irmãos mais velhos e o papel de parede atrás das suas camas era um mapa-múndí (…) Devido à humidade, o papel estava se soltando nas emendas, deixando entrever por baixo uma parede de tijolos verdadeiros. Meu sonhado livro de memórias poderia ser bem isso, um papel de parede reproduzindo o que ele ao mesmo tempo esconde.” Mariana Correia de Barros Companhia das Letras, 176 págs. €16,45
10. Os Dias do Ruído
David Machado
Um dos aspetos que têm singularizado os romances de David Machado é a sua capacidade de dialogar com os grandes temas da atualidade, em ficções engenhosas e protagonizadas por personagens fortes, ainda que cheias de dúvidas. Em Os Dias do Ruído o leitor é lançado para o mundo das redes sociais, da fama e da desconfiança, da adoração e do ódio. É nesse turbilhão que Laura se encontra depois de ter evitado um atentado num café em Paris. O gesto trouxe-lhe reconhecimento mundial, mas será em casa que terá de enfrentar as contradições do nosso tempo e os segredos do passado. L.R.D. Dom Quixote, 264 págs., €17,70
11. Amarelo Tango
Nicolau Santos
O título enigmático do primeiro romance do jornalista, e atual presidente do conselho de administração da RTP, descobre-se no fim, tem que ver com amores perdidos, reais e metafóricos, e com a contradança entre memórias inventadas e verdadeiras, ambas necessárias para atravessar a herança de dois mundos marcados pelo colonialismo. Nascido “calcinhas ou caluanda”, um “português de segunda”, o autor recria uma saga familiar que atravessa a história de Angola e de Portugal à maneira de um álbum de fotografias: aqui, cabem as evocações da vida nas casas grandes e nas discotecas, ali os massacres acontecidos, acolá o desvio do Santa Maria, a expulsão dos portugueses, os amores divididos… Tudo começa num avô, Estanislau Augusto dos Santos, enviado para o degredo em Angola e a quem sai a lotaria da fortuna. “Quando cheguei a Portugal, demorei cinco anos a ser lisboeta e dez a ser português. Mas durante anos e anos andei em busca da África que existia em Lisboa”, escreve Nicolau Santos. S.S.C. Oficina do Livro, 288 págs., €17,90
12. Mestre dos Batuques
José Eduardo Agualusa
Ao regressar ao romance, José Eduardo Agualusa volta também à região onde nasceu em 1960: o planalto central de Angola. É uma terra com a sua própria história e um reino que ainda hoje é reconhecido no país, o Bailundo. Quer também isso dizer que o escritor está a lidar com outras tradições e até conceções do mundo, o que já estava presente no livro anterior, a biografia que dedicou a Abel Chivukuvuku, político da UNITA que nasceu na mesma zona. Mas, com o engenho e as artes da ficção, Agualusa põe em cena um mistério – em 1902, um pelotão das forças militares portuguesas aparece morto, sem sinais de ataque ou crime – que terá de ser elucidado por um homem (Jan Pinto) que vive entre mundos. E é a partir das ambiguidades do protagonista que Mestre dos Batuques nos confronta com as teias identitárias que compõem a história de Angola, entre dúvidas e certezas, convicções individuais e coletivas. L.R.D. Quetzal, 272 págs. €18,80