Desafiando a rapper a escrever um álbum para si, Aldina Duarte viu-se a desconstruir o fado para cantar a pobreza, a crise climática e a liberdade. No concerto de apresentação de Metade-Metade, editado em março, a fadista vai partilhar o palco do Coliseu dos Recreios com o público.
Pode afirmar-se que este é o seu álbum mais arriscado, pelo modo como explora tantos e tão novos territórios musicais e poéticos?
Acho que o CD2 do Romance(s), que fiz com o Pedro Gonçalves como produtor musical, é mais ousado musicalmente. No Metade-Metade é o novo léxico, os temas inéditos e a extrema musicalidade da palavra e na construção do verso na escrita da Capicua que acrescentam, de facto, a linguagem do repertório fadista em geral e do meu: uma declaração de amor a uma árvore [Araucária]; um fado político sobre a pobreza [Majestade [25ABRIL]]; a Natureza ser central ao longo de todo o disco, o que contradiz a visão antropocêntrica, a meu ver, desfasada, cientificamente falando; a liberdade e a poesia, enquanto alimento na evolução humana; não haver o tema do amor romântico… Todas estas diferenças acrescentam poética e tematicamente, provocando uma renovação natural, sendo que o fado chega aos dias de hoje com a pujança que conhecemos.
O que a levou a seguir este caminho foi algo premeditado ou surgiu devido à escrita da Capicua?
Surgiu do encontro de duas mulheres com grandes afinidades políticas e artísticas. Logo que começámos as oficinas de escrita para fados tradicionais, a pedido da Capicua, como condição para aceitar o meu desafio para que me escrevesse um disco inteiro, percebemos que a sua escrita levaria o meu fado para novos temas e, a meio caminho do processo, surgiram uma nova linguagem e um novo estilo poético. Para gravar um disco, tenho de querer dizer alguma coisa às pessoas, e as minhas grandes questões eram o aumento da pobreza e a perda de liberdade que isso implica para as classes mais desfavorecidas, o domínio do mercado das artes descartáveis, a inconsciência política nas questões climáticas que comprometem o futuro da Humanidade… Não podia ter encontrado melhor parceira criativa, foi muito enriquecedor.
Como vai ser este espetáculo, que terá a novidade de ter parte do público em cima do palco?
A pessoa com quem fui mais longe, com quem mais aprendi, foi o Pedro Gonçalves. Este disco, apesar de ser outro tipo de ousadia poética e musical, é-lhe dedicado. Muitos dos arranjos, a descontração poética, rítmica e melódica resultante do piano da Joana Sá, que conheci num espetáculo memorável dedicado aos Dead Combo e a Pedro Gonçalves em que participei… Acaso ou não, o último concerto a que assisti da banda foi no formato que vou fazer agora, com o público em cima do palco do Coliseu de Lisboa comigo e com os músicos. O intimismo deste formato parece-me muito envolvente para todos e bom para assistir ao nascimento dos novos fados de Metade-Metade [o disco tem 11 temas], sentindo o enlace com outros que já gravei, alguns que sempre cantei e outros que recupero para esta estreia.
Ouça aqui o tema “Araucária”
Aldina Duarte > Coliseu dos Recreios > R. das Portas de Santo Antão, 96, Lisboa > 17 abr, qua 21h > €30