Dizia um ilustre compatriota de Lady Di, William Shakespeare de sua graça, que a vida era um palco. A ser verdade, ela tem conseguido sempre o papel de vedeta. Só na tenra idade, Diana Frances Spencer, 36 anos, filha mais nova do conde de Spencer, terá passado despercebida e mesmo assim não há a certeza.
Já viveu diversas vidas e ainda está no esplendor da beleza, sorrisos ora ternos ora matreiros, capaz de dissimular, intrigar, amar – ou levar a efeito uma espécie de vingança interminável contra os Windsor, particularmente em relação à ex-sogra, a rainha Isabel II, alegada patrocinadora do estrepitoso divórcio de Diana e do príncipe herdeiro, Carlos, 48 anos, em 1996.
Privada do tratamento de alteza real, o que a obrigaria a fazer vénias ao filho mais velho, William, 15 anos, futuro rei de Inglaterra, a princesa de Gales tem feito tudo, nos últimos dois anos, para ser levada a sério – e o mais falada possível nos media internacionais. É por isso que se compreende mal que a recente descoberta do seu romance com o multimilionário Dodi Al-Fayed possa ser obra apenas dos atrevidos paparazzi, que a seguem para toda a pa rte. Qual quê! Uma raposa daquelas só se deixa apanhar se quiser – e ainda por cima num bem-bom de beijos e abraços sob o sol do Mediterrâneo, a bordo do Jonikal, um dos iates apalaçados do pai do mocinho. Mas se assim é, irá mesmo embarcar numa de Jackie Onassis, trocar a ribalta por privacidade, sossego e segurança material?
Mas alguém a imagina semi-reclusa, sem nos poder brindar do televisor mais próximo com um daqueles sorrisos amalandrados?
Depois da sua atribulada separação do príncipe de Gales, em 1992, até ao posterior divórcio em 1996, Lady Di passou por fases que a deram como a mais virtuosa das criaturas (é não saber observar-lhe os olhinhos!), capaz de aturar um herdeiro do trono sensaborão e infiel, até à figura menos favorável da adúltera confessa, ex-amante de um capitão da cavalaria real Games Hewitt), mais conhecido pelo Ratazana, por ser aquilo que na ébria Inglaterra se costuma chamar um infame kiss and tell.
Numa recuperação sensacional, Diana, que chegou a andar com ar abatido de mosquinha morta, foi vindo ao de cima com as saias a subir e os decotes a baixar, mais roliça, mais desejável do que nunca, enquanto o ex-marido se ia divertindo assumidamente com a cinquentona Camilla Parker Bowles, a mulher da sua vida já devidamente divorciada do brigadeiro do mesmo apelido, por sinal também da cavalaria da Guarda Real, certamente habituado com o passar dos anos a desco rir inconveniências até no relinchar das montadas.
LEILÃO DE VESTIDOS
O primeiro grande passo para a construção de uma nova personagem, impossível de impor sem o auxilio dos media, passou por a princesa abraçar uma causa menos explorada que a da sida, por exemplo, até então uma das suas predilectas. Escolher o ataque às minas antipessoal, que fazem todos os anos incontáveis vítimas inocentes, mostrou-se uma boa aposta, tanto mais que tinha de se deslocar a zonas pe rigosas do Globo, marcando assim a diferença entre ela e as senhoras de bem-fazer que só transpiram a assinar cheques.
Não se quer dizer com isto que Diana seja apenas uma actriz que tira partido destas cruzadas, de forma alguma, há calor humano na antiga professora da pré-primária da selecta escola Young England de Pimlico. A sua deslocação a Angola em Janeiro passado, dispensando muito mais atenção às vítimas das minas, sobretudo às crianças, do que às autoridades locais, constituiu um verdadeiro e merecido sucesso. E nisso – honra lhe seja feita – foi grandemente ajudada pelo governo conservador de então, chefiado por John Major, que pôs o seu ministro da Defesa a criticar a alegada ingenuidade da princesa de Gales.
Liberta dos compromissos de esposa do futuro rei – e podendo, portanto, exprimir opiniões -, Diana fez frente às críticas que mais não pretendiam do que esconder o facto de o Reino Unido ser um dos principais fabricantes e vendedores de armamento a nível mundial, lucrando com o impudente negócio da morte. O segundo grande acto do relançamento de Lady Di no corrente ano, engendrado pelo seu génio para o marketing, foi o leilão em Nova Iorque de 79 dos seus mais belos vestidos de baile e cocktail, usados entre 1981 e 1996, algo visto como um símbolo do seu corte com o passado de futura rainha de Inglaterra.
Confidenciou que a ideia de deixar a Christie’s leiloar os reais trapos, em 25 de Junho passado, partira do filho mais velho, destinou os chorudos proventos da almoeda a instituições de caridade americanas e britânicas relacionadas com o cancro e a sida – e acedeu amavelmente a deixar-se fotografar, esplêndida, uma última vez, com algumas das fatiotas que ficarão pelo menos na chamada pequena história. Como aquele vestido azul-escuro, idealizado por Victor Edelstein, que ela usou na Casa Branca em 1985, quando rodopiou nos braços seguros de John Travolta.
O AMIGO AL—FAMED
Quando, em 29 de Julho de 1981, Diana Spencer e Carlos de Inglaterra se casaram em Londres, na catedral de São Paulo, num dos maiores acontecimentos mediáticos do século XX, a princesa virgem tornava-se protagonista de um conto de fadas que parecia saído de um livro da mãe da segunda mulher do conde Spencer, a engraçadíssima Barbara Cartland, quase centenária e autora dos romances cor-de-rosa mais vendidos no mundo. Hoje dificilmente Di entraria num book da prolífera escritora. Com o correr do tempo e as partidas do destino, a princesa foi conhecendo gente de diversos círculos sociais e reatando com pessoas que a sua condição anterior aconselharia que evitasse. Estará certamente neste último caso o poderoso magnata egípcio Mohamed Al-Fayed, 64anos, dono dos famosos armazéns Harrods de Londres, do parisiense Hotel Ritz e da mansão do bosque de Bolonha onde viveram os desaparecidos duques de Windsor.
Diz-se que o multimilionário foi amigo durante alguns anos do falecido conde Spencer e que datará dessa época o seu interesse pelo bem-estar da princesa, adiantando alegados especialistas nestas matérias que o aristocrata pediu a Al-Fayed que, depois da sua morte, ele lhe olhasse pela filha. O dono do Harrods é muito malvisto em certos círculos da Grã-Bretanha, onde são postos em causa os métodos pouco ortodoxos através dos quais terá conseguido a sua imensa fortuna e também os famosos armazéns, adquiridos em 1985. Os seus rendimentos têm sido objecto de inquéritos (calcula-se que possua bens na ordem dos 500 milhões de contos) e continua a comprar coisas, figurando entre as suas mais recentes aquisições um clube de futebol, o Fulham, da segunda divisão inglesa.
SOBRINHO DE KHASHOGGI
Mohamed Al-Fayed viu ser-lhe negado por duas vezes o passaporte britânico (anseia por tornar-se súbdito de Sua Majestade) e o Partido Conservador deve-lhe em boa medida a derrota nas últimas eleições. Diz-se que o nababo defendia – e porventura lá saberia porquê – que comprar deputados era tarefa mais fácil do que arranjar táxi em hora de ponta londrina. Que se saiba adquiriu dois, que encarregava de fazer as perguntas que queria na Câmara dos Comuns, mas consta que outras personalidades do mundo da política não desdenhavam a sua hospitalidade interesseira, passando boas temporadas à borla no luxuoso Ritz de Paris.
Foi precisamente desta personagem que a princesa de Gales aceitou o convite para passar alguns dias na casa de férias da família Al-Fayed em Saint-Tropez e num dos seus magníficos iates, o Sakara. Acompanhada pelos filhos William e Henry (12 anos), Diana deixou-se fotografar pelos paparazzi em sugestivos fatos de banho exclusivos do Harrods, mostrando a sua beleza descontraída ao lado de Mohamed, mas também do filho deste, Dodi, 41 anos, playboy divorciado, produtor de cinema e também (claro!) multimilionário. A mulher do magnata egípcio e mãe do rebento era a falecida Samira Khashoggi, irmã do famoso Adnan Khashoggi, um dos homens mais ricos do mundo, figura de peso no Médio Oriente, grande comerciante de armas.
Se as férias mediterrânicas da princesa e dos filhos nada tiveram aparentemente de especial (Diana conhecera Dodi há dez anos num jogo de pólo em Windsor), para além da visível boa disposição de todos os intervenientes, fotograficamente documentada, há a dizer que coincidiram com a festa de aniversário que Carlos decidiu dar ao grande amor da sua vida, Camilla Parker Bowles, que completava meio século. Ver o príncipe de Gales assumir de forma tão pública a amante deve ter irritado a ex-mulher, que declarou aos jornalistas ter uma grande surpresa na forja. Tinha mesmo.
De acordo com elucidativas fotografias que deram várias vezes a volta ao mundo, Lady Di passou umas segundas férias secretas a bordo de um outro iate de Mohamed Al-Fayed, o Jonikal, mas desta vez somente acompanhada pelo filho. É de estranhar bastante que uma personalidade sempre tão perseguida pelos paparazzi não soubesse que corria o risco de ser captada em cenas reveladoras de patente intimidade. Depois de alguns dias a navegar ao largo das costas da Córsega e da Sardenha com o multimilionário, Diana rumou para a Bósnia-Herzegovina, para mais uma etapa da sua campanha contra as minas anti-pessoal, chegando a Sarajevo a bordo de um jacto pertencente a outra figura muito problemática, o especulador financeiro de origem húngara George Soros. A todos a princesa encantou com o seu sorriso e manifestações de interesse, ficando na retina a imagem do seu longo abraço à muçulmana Elvira Tadic, 57 anos, junto à sepultura do filho desta, Dragan, falecido há três anos. De regresso ao seu palácio de Kensington, a mãe do futuro rei de Inglaterra apercebia- -se do rebuliço provocado pelas suas fotos com Dodi, presentes em todos os tablóides britânicos, que se faziam eco das mais diversas reacções e publicavam algumas notícias delirantes. O mais interessante, no entanto, foi a divulgação da biografia correcta e aumentada do suposto noivo da princesa (ela apressou-se a desmentir quaisquer projectos de futuro casamento).
AS PROEZAS DE DODI
Há uma coisa em Dodi Al-Fayed que causa simpatia: nunca pretendeu adquirir a cidadania inglesa. Nascido no Egipto, possui essa nacionalidade e a dos Emirados Árabes Unidos. Educado na Suíça, passou (brevemente) pela britânica Sandhurst, uma das mais famosas academias militares do mundo. Durante algum tempo oficial das forças de defesa dos Emirados, Dodi cedo se interessou pela produção cinematográfica, passando a viver a maior pa rte do ano em Los Angeles (teve de abandonar o seu filme mais recente, Zorro, para poder estar com Lady Di). Foi um dos produtores de Carros de Fogo, um filme inglês premiado com um Oscar, ao mesmo tempo que o pai o obrigava a trabalhar nas diversas secções do Harrods.
Fundou mais tarde a sua companhia, a Allied Stars, que esteve envolvida na produção de películas como Capitão Gancho, de Steven Spielberg, com Robin Williams e Dustin Hoffman. Dodi tem a mania dos automóveis, figurando na sua “colecção” dois Ferraris e um Rolls-Royce de 1928. Dispõe de um helicóptero Sikorsky e de um jacto de executivo. Possui um castelo na Escócia e residências em Genebra, Nova Iorque,
Beverly Hills, Dubai e Génova. Caso precise, pode sempre também utilizar as da família, como a de Saint-Tropez ou a imponente mansão de Park Lane, em Londres.
A faceta mais conhecida de Dodi reside, porém, no seu gosto militante por mulheres bonitas, que colecciona a um ritmo definido por um amigo como de uma por semana. Em 1981, saía muito com Tanya Roberts, que entrava na série televisiva Os Anjos de Charlie. Outra namorada famosa (o rapaz gosta de dar nas vistas) foi Brooke Shields, que um dia lhe perguntou se no Harrods tinham muitos perfumes. Para demonstrar que estavam bem fornecidos, Dodi mandou-lhe 150 frascos todos diferentes. O multimilionário também deu umas voltas com a actriz de soft-core Koo Stark, hoje fotógrafa e outrora amiga íntima do príncipe André, ex-marido de Sarah Ferguson, duquesa de York. Em 1983, esteve noivo de uma herdeira iraniana, Linda Atterzaedh, mas só em 1987 viria a contrair matrimónio com a modelo americana de origem dinamarquesa Suzanne Gregard, actualmente com 37 anos. O casamento foi um impulso mais ou menos tonto – conta um amigo – surgido numa estância de ski do Colorado e o divórcio ocorreu oito meses mais tarde. Consta que a brincadeira custou a Dodi a módica quantia de meio milhão de contos e a beldade ainda quis um Rolls-Royce novo e não abriu mão das jóias, que aos Al-Fayed não se faz desconto! (O playboy afirmou, na altura, que
nunca mais daria outro nó).
Fala-se também das amizades de Dodi com Britt Ekland (o rapaz não despreza a velha guarda), Valerie Perrine e Tina Sinatra. O seu nome já surgiu associado à princesa Stéphanie do Mónaco e, pouco tempo atrás, davam-no como particularmente encantado por Wynona Ryder. Actrizes, modelos e outras sílfides com foto omnipresente nas revistas do coracão têm sido presa fácil do herdeiro AI-Fayed, descrito como possuidor de boa apresentação, excelentes maneiras e um olhar de cão que perdeu o dono ao qual as mulheres resistem dificilmente – assegura um amigo dele. É claro que ter um livro de cheques com chapéu alto e mais páginas que dois volumes da Enciclopédia Britânica também ajudará o seu pedacinho.
Casar com Diana seria o culminar de uma carreira recheada de êxitos para este playboy muçulmano, capaz de proporcionar à princesa de Gales uma vida de autêntica rainha, enquanto Camilla parece condenada a viver a contar os pennies. Que vingança de Lady Di contra os soberbos Windsor! Para o pai Mohamed, entretanto, ser avô putativo do futuro rei de Inglaterra vale certamente bem mais do que ter um passaporte com o escudo do leão e do unicórnio. Atenção às cenas dos próximos capítulos.
(Artigo publicado na VISÃO nº 231 de 21 de agosto de 1997, com a ortografia antiga)