Este volume abre com uma imagem atípica no corpo de trabalho de Paulo Nozolino, povoado de corpos crepusculares e cicatrizes históricas: a fotografia de dois espelhos, um enquadrado numa banal moldura retangular pendurada na parede; o outro, redondo e retro, espécie de lupa pousada num tampo de pedra. Ambos refletem uma porta entreaberta, mas não da mesma maneira. É um manifesto visual, uma metáfora da ars photographica, e um desafio ao leitor – instado a ver-se ao espelho, a escolher o ângulo ou a aceitar transpor a enigmática porta e a defrontar o mundo, convulso, negro, em ruínas. Como o faz Nozolino, apóstolo da “viagem ao fim da noite” (Céline aparece em epígrafe), nos últimos 46 anos: a sua primeira fotografia assumida, uma acrópole melancólica, data de 1972. O escritor Rui Nunes descreve-o, no posfácio Intempestivo até à Desolação, como “íntegro na sua incompletude”, “um homem sem álibis”. Pardonner, Oui, Oublier, Non (Colmar, 1999), lê-se numa página capturada por entre outras imagens das séries Testemunha em Fuga, Limbo, Penumbra e Far Cry.
Há uma mnemónica visual em Ph.02: um olho ciclópico sobrevivente ao varrimento da luz na página 30 (Lisboa, 1979), um terrível olhar sem vida a emergir de um corpo tapado por lençóis na página 50 (Berlin, 1984), o olhar direto de um adolescente, único a fitar-nos na vintena de rostos da quadrícula policiária (New York, 2007), os olhos inocentes do menino pintado da página 100 (Gottingen, 2005), até chegar ao autoretrato de um jovem Nozolino ao espelho – e fecha-se o círculo do volume. Esta é a penúltima fotografia, logo antes da imagem simbólica da traça, criatura que receia a luz… “Profundamente vivencial e meditativa, poética e dionisíaca, a obra de Nozolino revela-nos uma visualidade sensível às formas do páthos. A fotografia é assumida como um meio privilegiado de exprimir e organizar a sua visão inquieta e dramática do mundo”, escreve Sérgio Mah. E em que, defende, “escurecer representa um fechar de olhos… para se ver, plenamente”.