O faux pas da primeira linha é tanto a essência da stand up comedy universal como o segredo deste romance extraordinário: “Boa noite, boa noite, boa noi-i-te, Cesarei-aaa!!!”, grita o comediante, um “homem baixo e franzino” que “voa para o palco de uma porta lateral como que atirado ou chutado de lá” e que se deixa ficar “agachado numa posição simiesca” − ou será um arremedo de posição fetal? É que estamos no princípio de tudo: do livro, da atuação, do warm up da sala ainda descomposta, dos primeiros aplausos, da curiosidade do leitor. Dovaleh Grinstein, figura ácida de meia-idade, emenda à mão a anedota básica: está em Natania, povoação de 176 500 almas no distrito central de Israel. O one man show não precisa desta cábula: “Parabéns, Dovaleh, pérola entre os homens, saiu-te a sorte grande, foste escolhido para participar numa experiência especial na região costeira, nada de demorado, hora e meia ou duas no máximo, que é o tempo limite que um ser humano normal pode estar exposto às pessoas daqui.” O riso dos insultados não amarelece, e Dov continua, propulsionado não pelos “750 shekels que o Yoav me paga, sem recibo e toma lá e vai-te lixar” mas por uma honestidade crescente.
O número de stand up comedy transfigura-se: primeiro inquieta, depois irrita e, por fim, entristece o público que abandonará a sala − à exceção dos seus vagos conhecidos, como o juiz reformado Lazar, narrador deste romance com ritmo e vocabulário afinados como um tambor, que é, na verdade, um libelo sobre a dor e a capacidade de sobrevivência às circunstâncias adversas. As piadas fáceis (ecoadas no título Um Cavalo Entra num Bar) serão substituídas pela psicanálise sob os holofotes, o striptease emocional de Dovaleh: o rapazinho que faz o pino para escapar ao bullying, filho de uma sobrevivente do Holocausto e de um pai distante, cujos traumas, finalmente expostos, o revelarão como um exemplo humano de todos, personagens e leitores.
Um Cavalo Entra num Bar (D. Quixote, 232 págs., €15,90), 11º romance de David Grossman, venceu o prémio Man Booker Internacional atribuído a livros escritos em língua não inglesa. O júri elogiou-lhe a “disponibilidade para correr riscos emocionais e estilísticos”