Desde os dias, lá longe, no século passado, em que venceu um popular concurso de televisão imitando Whitney Houston (Chuva de Estrelas, na SIC) e, logo a seguir, representou Portugal no Festival da Eurovisão, Sara Tavares soube gerir a sua carreira sem deslumbramentos, com inteligência, independência, calma e autenticidade. De dentro para fora, mas atenta ao mundo à sua volta, construiu uma identidade artística própria.
Esse estilo começou a definir-se com mais nitidez no álbum Balancê que, com a marca da editora World Connection, a levou para mais perto do circuito da world music do que de uma máquina pop à procura do próximo hit. As raízes estavam em Cabo Verde e outras coordenadas africanas, mas Sara Tavares queria uma gramática própria para as suas canções.
É ainda esse desejo que ilumina este Fitxadu. Porém, oito anos depois de Xinti (lançado em 2009, o mesmo ano que marcou um antes e depois na vida de Sara com uma operação a um tumor no cérebro), o regresso aos discos traz novidades. O imaginário é o mesmo e a voz doce mantém-se mas as roupagens são, definitivamente, outras − ou, pelo menos, acrescentam-se novos acessórios aos modelos anteriores.
Sobre a guitarra e percussões ouve-se agora uma paleta variada de sonoridades mais devedoras da eletrónica, ora discretas, ora assumindo protagonismo. Para isso, contribuiu um grupo de músicos convidados que aqui partilham produção e composições: Kalaf Epalanga, Toty Sa’Med, Manecas Costa, Bilan (Cachupa Psicadélica), Princezito, Nancy Veiria, Paulo Flores, entre outros.
A primeira faixa, Intro – Onda de Som, mostra bem por que fala Sara Tavares em “encerramento de um ciclo” (acrescentando que se trata do “início de um novo”). A entrada da eletrónica − discreta, lenta, lânguida − neste universo faz pensar nas aventuras de Damon Albarn no mundo da world music de raízes africanas (com a dupla Amadou & Mariam, por exemplo). Um regresso que anuncia novos capítulos.
Fitxadu destaca-se pelas muitas colaborações, sobretudo de músicos com raízes em Angola e Cabo Verde.
Ouça aqui o tema Intro – Onda de Som, do novo álbum de Sara Tavares, Fitxadu