Em entrevista à VISÃO em 2015 – o ano que fez toda a diferença na vida de Benjamin Clementine, depois do lançamento do primeiro álbum, At Least for Now -, o músico apontava já para um futuro trabalho: “Vai refletir o que aconteceu em Paris [atentado no Bataclan e outros lugares da cidade], o que aconteceu em Baltimore [motins contra a violência policial], o que está a acontecer com os refugiados… São coisas que estão aí, todos os dias, e de que os artistas não têm falado muito. Algo no meu coração me diz que tenho que falar destes assuntos.”
Depois de uma estreia muito centrada em si próprio, na autodescoberta, na sua relação com os outros, o segundo disco abre-se, de facto, ao mundo. É um álbum complexo, exigente, que não oferece o conforto do formato canção em estruturas clássicas que se sucedem, faixa a faixa. Não. Há mudanças abruptas de registo, disrupções, uma aparente fragmentação desordenada em rapsódias. Primeiro estranha-se. Mas a audição sucessiva de I Tell a Fly vai revelando a sua coerência e identidade, alicerçada na voz poderosa de Benjamin Clementine. Em termos musicais, o piano já não é a presença primordial. Surpreende descobrir a sonoridade do cravo, muitas vezes presente, e apontamentos eletrónicos (uma herança da colaboração de Clementine no último disco dos Gorillaz, Humanz, de Damon Albarn). O próprio Benjamin Clementine tomou conta de tudo e apenas um outro músico é creditado na ficha técnica do disco (o baterista Alexis Brossard).
Em God Save the Jungle (que evoca a “selva” de Calais, apinhada de refugiados que pretendem chegar a Inglaterra), o músico faz pensar numa espécie de Kurt Weill para o século XXI. Tão clássico como absolutamente novo.
Ouça aqui o tema Phantom of Aleppoville, do novo álbum I Tell a Fly