Parece que ouvimos desde sempre alguns destes solos e riffs, que os conhecemos bem e nunca os esquecemos. Às vezes, até parece que a guitarra elétrica foi inventada anteontem e estamos todos muito entusiasmados com isso. É o que dá ouvir um disco novo de alguém, Chuck Berry, que começou a editar há mais de 60 anos (quando, em 1955, o single Maybelline trepou até ao primeiro lugar do top dos EUA).
Este disco, Chuck, foi anunciado a 18 de outubro de 2016, dia em que o músico cumpria o 90º aniversário. A sua longa vida chegaria ao fim a 18 de março deste ano, no mesmo Missouri que o viu nascer em 1926, mas o disco que ocupou Chuck Berry na fase final da sua vida já estava completamente pronto. Uma frase no booklet revela como, aqui, o tempo não é bem aquele a que estamos habituados num disco novo de rock: a dedicatória à sua mulher, Themetta Berry, “68 years of love and counting”.
Também a música que aqui ouvimos revela esse misto de peso pela passagem de tempo e a leveza de sentimentos intemporais. Ainda há quem associe o rock’n’roll a rebeldia, sangue na guelra, permanente novidade e urgência, mas é preciso não esquecer que é um género musical com mais de meio século, muitas vezes enredado nas suas rotinas. Em 2017, estes dez novos temas soam a música clássica, às velhas regras que a partir do blues inventaram o rock’n’roll. Chuck Berry a ser Chuck Berry, sem querer inventar a roda, reinventar-se ou, como muitos fazem nestes discos de fim de carreira, apostar em colaborações com novos artistas (com uma exceção: em Big Boys podemos ouvir a guitarra de Tom Morello, dos Rage Against the Machine).
Estas canções podem parecer anacrónicas em 2017 mas surpreende a energia e autenticidade projetadas pela voz (totalmente em forma) e a guitarra deste homem que conquistou há muito um lugar de destaque na história da música popular. Artisticamente, dificilmente se imaginava melhor despedida aos 90 anos. Respect.
O último disco de estúdio de Chuck Berry, Rock It, datava de 1979. Como uma herança, Chuck parecia guardado para o ano da morte do seu autor.