“Sou muito tímida. Passo a maior parte do tempo a observar as outras pessoas, a ouvi-las, a absorver a realidade”, dizia Polly Jean Harvey à VISÃO em 2004, por alturas da edição do seu álbum Uh Huh Her. A música britânica nunca foi muito conhecida pelo gosto por entrevistas ou por elaborar muito sobre o seu trabalho. Mas essa frase antiga pode iluminar o novo disco de PJ Harvey (assim como o anterior, Let England Shake, a que este está muito ligado). Afinal, The Hope Six Demolition Project parte de viagens que mais não foram do que pontos de partida para “absorver a realidade”. Com o fotojornalista irlandês Seamus Murphy, Harvey esteve no Afeganistão, no Kosovo e em Washington DC e arredores. O disco revela-nos instantes, às vezes muito visuais, dessas deambulações (um exemplo entre muitos, em The Wheel: “A revolving whell of metal chairs/ hung on chains squealing// Four little children flying out/ a blind man sings in Arabic”) e há mesmo gravações do ambiente sonoro desses lugares (em Dollar, Dollar, por exemplo). Mas há também uma leitura pessoal sobre um mundo de desesperos vários, desilusões, contradições, tristes ironias. Este álbum é um gesto político, mas nada óbvio: nunca há, afinal, intenções claras nestas palavras, muito menos assomos panfletários. É uma viagem, com um lirismo muitas vezes inquietante, aos nossos dias – com a palavra “guerra” a pairar por todo o lado, mesmo (ou sobretudo) quando não é dita. O disco anterior, Let England Shake (2011), recorde-se, recuava às memórias e ecos da Primeira Guerra Mundial.
Musicalmente, PJ Harvey volta a contar com o velho parceiro John Parish na produção (a que se juntou outro produtor: Flood) e com o talento de Mick Harvey (ex-Bad Seeds) nos teclados. Mais uma vez, este não é um disco da rocker que se anunciou no início dos anos 90, antes uma obra de arte com várias dimensões (rock também, claro; Patti Smith anda por aqui…) a que se vai acedendo a cada nova audição.
Algumas sessões da gravação de The Hope Six Demolition Project foram abertas ao público, que, sem ser visto, podia ver e ouvir os músicos trabalhar através de um vidro na Somerset House, em Londres: uma observadora observada.
Veja o vídeo de The Wheel: