De Ana Deus já tudo se espera. E sempre o melhor. Sem ela, os Ban pouco mais seriam que uma banda mediana e com ela os Três Tristes Tigres foram uma das melhores ideias de sempre da pop portuguesa. Neste projeto, que assina com o direto nome de Bruta, volta a baralhar conceitos, ao transformar em música a poesia de nomes como Ângelo de Lima, Mário de Sá-Carneiro, Stela do Patrocínio, António Gancho, Sylvia Plath, António Joaquim Lança ou António Maria Lisboa. Todos estes autores têm em comum uma característica: a demência que os levou a acabar os seus dias em hospícios ou, nalguns casos, a cometer suicídio – mas que também os tornou imortais, sob a forma de poesia. O projeto começou a tomar forma no momento em que Ana Deus tropeçou no soneto Pára-me de repente o pensamento, de Ângelo de Lima, internado em 1901 no Hospital de Rinhafoles (atual Miguel Bombarda), com o diagnóstico de esquizofrenia. Esse poema daria lugar a Douda Correria, uma das três faixas do álbum inspiradas pelas palavras deste poeta portuense. Para a acompanhar nesta viagem ao interior da mente humana, Ana Deus chamou o músico Nicolas Tricot, habitual companheiro de palco de Manel Cruz, que tocou um sem-fim de instrumentos para criar as diferentes ambiências musicais de Bruta. Ao todo, são 11 os temas que compõem o disco, com cada um a apresentar-se como um distinto microcosmos poético-sonoro, através do qual se tentam desvendar os segredos escondidos dentro destas conturbadas cabeças. A exemplo do trabalho com Alexandre Soares nos Osso Vaidoso, também em Bruta Ana Deus leva o despojamento ao limite, com a música a servir apenas para fazer brilhar as palavras, nunca as ofuscando – nem mesmo quando estas se transformam em belas canções…
Veja o vídeo de Amor à Doida, a partir de um poema de Sylvia Plath e com excertos do filme
L’ enfer, de Henri-Georges Clouzot