
Foi por um triz que Pedro Marta Santos e Luís Alegre não foram amigos na juventude. Quando os autores do livro Lembras-te Disto? (A Esfera dos Livros, €16,50) começaram a trocar fotografias pessoais para publicar, descobriram que os seus caminhos se cruzaram há 30 anos: Luís, hoje com 46 anos, era o melhor amigo de uma das melhores amigas de Pedro, 47. E foi com esse sal extra que deitaram a mão à triagem de objetos que representam os carismáticos anos 70 e 80. “Um trabalho exaustivo, mas rapidamente percebemos o que tinha de entrar”, diz Pedro, argumentista. A onda de nostalgia só existe porque “há a noção histórica de que tudo o que é essencial começou nesta década”, acrescenta. “Nós somos a última geração com referências de comportamento clássicas, preciosas para enfrentar o caos do mundo de hoje.” Para estas pessoas, as décadas de 70 e 80 marcam a passagem da infância para a adolescência, e o livro é uma apresentação genérica mas pormenorizada do universo multifacetado dessa transição. Pedro acha que pouca coisa ficou de fora, mas Luís já lhe disse que tem material suficiente para um segundo volume. Nós damos uma achega: falta a boneca Tucha, o Cornetto de tangerina, o Sport Billy e o Agora Escolha, o primeiro programa interativo da televisão. Até lá, aqui ficam algumas escolhas de Pedro Marta Santos.

A panca das coleções
“No liceu, o intervalo grande, de 20 minutos, servia para trocar cromos e jogar às caricas ou às sameiras, como lhes chamam no Norte. Por haver tão pouca coisa, colecionava-se tudo, desde cromos e latas de refrigerante a autocolantes e bonecos de guerra da Airfix. Mas a mais marcante para mim foi a da revista Tintin, dirigida pelo Vasco Granja durante muitos anos.”

Bola de espelhos
“Vinda dos anos 70, existia nas casas dos amigos cujos pais iam para fora ao fim de semana, e podia fazer-se uma festa, que culminava com um ritual de acasalamento fundamental: os slows. A realidade parava e ficava em câmara lenta, para duas coisas fundamentais: os chochos e o roçar uns nos outros – íamos encostando a cabeça no ombro com o objetivo de dar uns beijos.”
O guarda-vestidos
“Não tínhamos grandes lojas unissexo. As compras feitas no Pinto’s, no Porto, e nos Por-fí-ri-os, no Porto e em Lisboa, eram pagas às prestações. As calças de ganga tinham de ser trazidas por um tio bondoso de Londres, de Paris ou da América. Não havia All Star em série; havia Sanjo, feito em Portugal. Lembro-me do meu blusão de penas, da marca Duffy, que em 1983 usava até dentro da discoteca Griffon’s, no Centro Comercial Brasília, no Porto, a suar as estopinhas, nas matinées às quartas-feiras.”

TV a cores
“Os dois canais da RTP eram suficientes, tendo nós muito poucas referências, que chegavam a conta-gotas do estrangeiro. Os concursos de talentos, por exemplo, começaram com A Visita da Cornélia, em 1977. É o antepassado de The Voice e companhia. O início da televisão a cores (a 7 de março de 1980), com Ana Zanatti e Eládio Clímaco a apresentarem o Festival da Canção, é uma boa metáfora: o nosso mundo passa de preto e branco para uma explosão de cores.”

Mundo tátil
“Tocar nos objetos era muito importante, porque não era um mundo digital, não havia computadores, nem jogos de vídeo, realidade virtual ou cinema em 3D. O que havia era brinquedos, jogos de tabuleiro e objetos concretos. De tão pouca coisa que havia para fazer, as pessoas para se divertirem saíam de casa. Brincava-se na rua, nos parques de campismo, nos jardins da cidade.”
Videojogos: uma questão de fé
“Entre os 13 e os 15 anos, os jogos de vídeo foram marcados pelo ZX Spectrum, o primeiro computador para jogos. Tinha de se carregar os jogos num leitor de cassetes áudio, que muitas vezes encravava e o jogo não entrava. Era uma questão de fé. O ZX Spectrum retirava-nos a necessidade de procurar namoradas. Embora fosse muito artesanal é a primeira passagem para um mundo semidigital.”
