O procedimento é sempre igual. Escolhido o modelo, feito da mais fina pele, afere-se a “chave da mão” do cliente. Ou, para se usar palavra comum, o tamanho, determinado pelo comprimento dos dedos e largura da mesma. Com o abridor, instrumento em madeira de pontas compridas, alarga-se cuidadosamente cada dedo da luva. Polvilha-se o interior com pó de talco e só então se calça a luva ao cliente, de cotovelo apoiado na pequena almofada em tons grená, ali mesmo em cima do balcão. Assenta na perfeição. Mas as cores, tão bonitas… e o ritual, quantas vezes forem precisas, até que se encontre o par eleito.
Requintado, cheio de atenções e pormenores, assim se mantém há 90 anos o atendimento na Luvaria Ulisses, em quatro metros quadrados de loja na Rua do Carmo. A decoração, com móveis ao estilo Império originais, devolve-nos à época em que abriu portas. Maio de 1925, assim atesta o registo das primeiras vendas. Era ali que Joaquim Rodrigues Simões tinha o seu escritório. Na altura, o Chiado era do mais seleto que havia e as luvas, obrigatórias na indumentária de senhoras e cavalheiros. Arriscou e o negócio haveria de prosperar, “distinguindo-se das muitas luvarias que existiam na Baixa lisboeta, pela fabricação própria e qualidade das pelarias”, conta Carlos Carvalho, um dos sócios prorietários que não dispensa estar ao balcão. “Depois, a partir das décadas de 50 e 60, as luvas deixaram de ser um acessório de moda, como era até então. E, com o 25 de Abril, fecharam todas”, recorda.
Com oficina na Travessa do Almada, para onde se mudou há dois anos vinda da Rua dos Correeiros, a Ulisses mantém o processo de fabrico manual, executado com o mesmo cuidado que depositam no atendimento. Na bancada de corte, a pele “vai primeiro ao pano para ser humedecida e poder ser trabalhada”, explica-nos Rui Castilho, 34 anos, que integra a equipa de nove pessoas que garantem a produção de cerca de dez mil pares de luvas por ano, comprados na temporada de inverno por portugueses e no verão por estrangeiros. “Depois é toda muito bem puxada pois só assim se garante a elasticidade da luva e que esta não alarga com o uso”, acrescenta. Com o molde de cartão, e fugindo aos defeitos que possa ter, faz-se a contabilidade aos pares que pode render. E corta-se, com a tesoura, voltando a ser de novo esticada antes de ir à fenda (molde de ferro). “É o chamado corte francês”, esclarece Carlos Carvalho, “que se distingue do corte direto, mais incerto e que não inclui todas estas etapas que preparam a pele. A diferença é que enquanto nós demoramos uma hora a fazer um par de luvas, as outras fábricas produzem, no mesmo tempo, 50 pares”.
Dali segue para a costura. Primeiro chuleia-se o polegar, as furgetas (pedaço entre os dedos) e fecha-se a luva. Depois vai à máquina de correeiro, ou de pesponto, para os acabamentos. E põem-se os botões, se for caso disso, forrados ali mesmo ao lado. Com o pau de virar, volta-se a luva e empasta-se, que é como quem diz, mete-se bem esticada numa pasta, e a costureira senta-se em cima, antes de seguir para a loja. No caso das luvas forradas, este método, mais artesanal, foi substituído há três meses por uma máquina de ferros quentes.
As luvas da Ulisses não são feitas à medida, mas andam perto disso. “Temos sete tamanhos, com diferenças de um quarto de polegada, para calçar todas as mãos”, garante Carlos Carvalho. E se for preciso arranjo, nem sequer é preciso levar a fatura. “Estas reconhecem-se à distância”.
Luvaria Ulisses > R. do Carmo, 87A, Lisboa > T. 21 342 0295 > seg-sáb 10h-19h