A viver em Lisboa, Edgardo Pacheco tem amigos que, todos os anos, lhe pedem sementes de tomate-coração-de-boi. “Digo-lhes que até as posso arranjar, mas o que não consigo é pegar no Douro e trazê-lo para a capital”, diz o jornalista e curador da Festa do Tomate-Coração-de-Boi do Douro, organizada em conjunto com Celeste Pereira, da empresa Greengrape, e que há oito anos decorre ao longo do mês de agosto.
Mas desengane-se quem julgar que o fruto vermelho e carnudo é de nacionalidade portuguesa. “Na verdade, tem origem russa. Como foi parar ao Douro, em rigor não o sabemos”, elucida Edgardo. “Ganhou muita notoriedade junto das famílias inglesas, que tinham sempre um hortelão. Como elas tinham algum conhecimento em termos de saladas, faziam questão de ter essa variedade.”
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Em 2016, quando Edgardo Pacheco, Celeste Pereira e, na época, também o produtor de vinhos Abílio Tavares da Silva organizaram, em jeito informal, o primeiro concurso de tomate-coração-de-boi na Quinta Dona Matilde, entre a Régua e o Pinhão, mal sabiam a dimensão que este iria alcançar. “Na altura, olhámos uns para os outros a questionarmo-nos: ‘Mas como avaliar um tomate?’ Não existia uma ficha de análise sensorial para o fruto. Junto com Francisco Pavão, especialista em azeite [e atual presidente do júri], andámos a partir pedra para tentar criar uma ficha com uma escala”, recorda o jornalista e também estudioso em azeite.
Doçura e acidez equilibradas
Além do concurso que premeia o melhor produtor (começou com 15 hortelões e já vai em 30), a Festa do Tomate-Coração-de-Boi estende-se à ementa de restaurantes do Douro – neste ano, serão 18. “É importante que o apresentem natural e fresco, com flor de sal e azeite, porque quem nos procura quer isso”, aponta Celeste Pereira.
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À boleia de “trabalhar a valorização do produto e de entender melhor os custos de produção”, Celeste criou uma horta em Arroios, Vila Real, da qual (em anos bons) chega a tirar mil quilos do fruto. “Percebi que qualquer coração-de-boi que se compre a menos de 3 ou 4 euros está desvalorizado, porque é um produto raro e com custos elevados de produção. Nem sempre é um coração bonito, começa a ficar disforme, é mais frágil, tem uma pele mais fina e não aguenta o transporte”, sublinha.
Qualquer tomate-coração-de-boi que se compre a menos de 3 ou 4 euros está desvalorizado, porque é um produto raro e com custos elevados de produção. Nem sempre é um coração bonito, começa a ficar disforme, é mais frágil, tem uma pele mais fina e não aguenta o transporte
Celeste Pereira
A realidade é que esta variedade de tomate adquire outras características quando produzido na região duriense. Edgardo Pacheco cita um estudo feito pela investigadora da Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro, Ana Paula Silva, que aponta três fatores para que o fruto ali ganhe “maior equilíbrio entre doçura e acidez, e ainda uma textura mais firme”: o solo de xisto, que “permite que a raiz desça e vá buscar nutrientes onde é necessário, tal como acontece com as uvas”, bem como o calor e as amplitudes térmicas.
Além de estar a ser delineado o seu reconhecimento com a Indicação Geográfica Protegida, os dois mentores querem publicar um livro sobre o tomate (em abril de 2024), um guia e um mapa das hortas produtoras.
“Tudo isto cresceu de uma forma totalmente orgânica. Tivemos necessidade de passar da festa ao conhecimento”, diz Celeste Pereira. Ao mesmo tempo, reforça Edgardo Pacheco, “dá muito gozo perceber que há famílias no Douro que já olham para esta cultura como um suporte para a economia familiar” – e que tem um sabor único, acrescentamos nós.
Mês do Tomate no Douro: Programa das festas
Restaurantes São 18 os restaurantes aderentes a esta 8.ª edição. Lista completa em facebook.com/TomateDouro
Concurso Melhor Tomate-Coração-de Boi do Douro No dia 25, na Quinta do Seixo, em Tabuaço, é eleito o melhor exemplar, seguindo-se um jantar volante (€50, inscrição: greengrape@greengrape.pt). 25 ago
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Festa do Tomate à Capella No largo da capela barroca de Arroios, Vila Real, haverá um mercadinho de venda de tomate e hortícolas da região, música, animação e petiscos. Pelas 20h, será apresentado o livro Imagem Foto Corpo Lugar, de Lucília Monteiro, fotojornalista da VISÃO, seguida de um performance musical do rapper Johnny Virtus. 26 ago, a partir das 17h30