Neste ofício da escrita sobre comidas e vinhos, há momentos de puro deleite, embora menos do que se pensa. Quando acontecem, reconciliam-nos com a vida, como sucedeu numa prova vertical Maritávora Grande Reserva Branco 2004-2016. Foram 16 vinhos de colheitas sucessivas e todos num patamar de qualidade invulgar que é tão revelador do potencial da vinha como do mérito de quem faz o vinho, dando-lhe o tempo de que precisa para se expressar totalmente. É assim que os vinhos atingem a plenitude e marcam a diferença.
Alguém bem-pensante e profundo conhecedor de vinhos, o Pedro Garcias, jornalista e também produtor, escreveu recentemente que “ainda não somos um país de grandes vinhos brancos”, embora reconheça que temos evoluído muito e “já alcançámos um nível assinalável”. O seu texto abriu um curioso debate, mas só vem aqui como pretexto para sublinhar o alto nível dos brancos Grande Reserva Maritávora (apenas Reserva, até 2010), os quais não ficariam mal numa prova cega com os melhores, mesmo se vindos da Borgonha.
A Quinta de Maritávora, em Freixo de Espada-à-Cinta, foi adquirida em 1870 pelo pai do poeta Guerra Junqueiro, de quem o atual proprietário, Manuel Gomes Mota, é descendente direto. Na última década do século XIX, após a crise da filoxera, foi ali plantada uma pequena vinha de castas brancas, com menos de um hectare. Lá permanece e de lá vêm as uvas – poucas porque aos 120 anos as produções são muito baixas – para o Maritávora Grande Reserva Branco. São de várias castas, com predomínio de Códega do Larinho, Rabigato e Viosinho. O modo de produção é biológico deste 2009. Tornou-se uma paixão do enólogo Jorge Serôdio Borges, responsável por este e pelos restantes vinhos Maritávora, bem como pela supervisão da viticultura. A produção tem variado entre 1300 e 2850 garrafas. Encontram no mercado apenas as colheitas posteriores a 2008.
Beber, guardar e voltar a beber
Além da cor citrina com uma intensidade surpreendentemente próxima nos vinhos das diferentes colheitas, como se o tempo pouco ou nada interferisse, também surpreende a complexidade e a riqueza que todos apresentam, com fruta madura bem presente, embora mais ou menos percetível em função da idade, acidez sempre viva, bom volume, muita elegância, entre outras virtudes comuns. Os preços crescem com à medida da idade do vinho, subindo de €32,50 para o Grande Reserva Branco 2013 e 2014 até € 49,50 para o Reserva Branco 2008. Acaba de ser lançada uma série limitada em caixa de três garrafas das colheitas de 2010, 2011 e 2012 por 130 euros. São brancos portugueses de classe mundial.