Uma nota prévia antes de continuar, para evitar confusões. Neste momento, em Lisboa, existem dois chefes chamados David Jesus – um no Belcanto, a trabalhar com José Avillez, e o outro no Bastardo. É este segundo que aqui nos traz, recém-chegado ao restaurante dentro do Internacional Design Hotel, ao Rossio. Aberto em 2014, o Bastardo está em fase de mudanças, sem radicalismos ou populismos, tão em voga nos tempos que correm. Na ementa, os pratos de cozinha portuguesa não desaparecem, antes ganham destaque como “Clássicos do Dia” aos almoços (€10 a €13). Sem grandes premissas, o que se pediu ao chefe de cozinha David Jesus foi “só” para “dar mais alma” ao restaurante. Pode parecer coisa pouca, mas tem muito que se lhe diga.
As novidades centram-se no toque internacional, a pender para a China, o Japão e a Índia. É como se de “uma viagem ao Oriente” se tratasse, reforçando a “comida saudável”, como explicou o administrador Alexandre Martins, ao jantar. No entanto, a mensagem escrita nos individuais é bem diferente: “On this magic placement calories don’t count” (neste lugar mágico as calorias não contam). Já vamos perceber porquê.
No açafate feito de pequenas peças de Lego vem uma fogazza de cogumelos, azeitona e tomate, pão alentejano e gressinos salgados para comer com húmus, manteiga de camarão ou tapenade (€3). A viagem começa com o amuse-bouche (uma oferta do chefe), um atum de escabeche, com maionese de alho e piso de coentros (uma espécie de pesto mais simples, também moído no almofariz). Apesar da noite fria, o ceviche (€12) escolhido para primeira entrada não deixou ninguém desconfortável. É de camarão, com leite de coco, creme de milho doce e leche de tigre que lhe dá uma certa cremosidade.
Guinámos para Oriente à boleia do ramen (€13) – o único em Lisboa, disse David Jesus, feito com dashi (caldo) de base vegetal com algas kombu e wakame, temperado com mirin e soja e alguns segredos que ficam guardados a sete chaves. Só o chefe de cozinha Nuno Mendes, a trabalhar em Londres, os conhece. Foi no seu The Chiltern Firehouse que David aprendeu a preparar o típico caldo, durante um estágio, na primavera de 2016. À sua base de trabalho francesa juntou, então, o estilo asiático. Na taça vem a metade de um ovo com um certo sabor exótico – é do avinagrado em pickle; nacos de pato (que por nós, para facilitar, podem ser mais pequenos); ervilhas, rábano e cinco verdes (espinafre, salsa, hortelã, coentro e manjericão). Existe também a versão com tofu e o ovo pode ser retirado. Um puro prato vegetariano, de sorver e chorar por mais.
A pedido de várias famílias veio para a mesa um cesto de bambu com bao, que o chefe de 27 anos preparou, inspirado numa receita indiana. O pãozinho asiático, que se deve comer quente, enche-se com pá de porco desfiada. Esteve marinada dois dias num balchão, uma base indiana com cebola ou chalota frita e desidratada, milho frito, cominhos, pés de coentros, gengibre ralado e camarão assado. Esta pasta junta-se ao óleo de fritura e fica em conserva. Também pode ser usada para tradicionais cataplanas ou arrozes de marisco.
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David Jesus, 27 anos, passou na primavera passada pelo The Chiltern Firehouse, em Londres, de Nuno Mendes, com quem aprendeu a preparar dashi, típico caldo asiático
Jorge Simão
As viagens de David Jesus têm-no ajudado a ganhar mundo, trazendo para as suas receitas pormenores dos cinco continentes. Começou por estagiar e trabalhar no Eleven, depois seguiu para o Brasil, Argentina, Báltico, Antártica. Voltou para Portugal e esteve no Penha Longa, pelo meio passou três meses na Polinésia (onde tomava conta de uma casa, apanhava a fruta, tratava da plantação de baunilha), regressou de novo e foi para a Herdade da Malhadinha Nova, no Alentejo, e abriu o Celeiro, restaurante do hotel Sublime Comporta. Esta recente aventura trouxe-o até ao Rossio, no centro de Lisboa, cidade onde nasceu.
Combinações improváveis
Seguimos para os pratos principais, pensando que o repasto já estava a terminar. E provámos o Asiático (€19), que é bacalhau, primeiro frito e depois apurado no tal dashi maravilhoso do ramen, mais uma beringela que foi a confitar três minutos a cem graus antes de ser transformada em puré – original e gulosa, uma delícia. Os grelos, por vezes tão incompreendidos, como são passados em manteiga de alho confitada ficam mais saborosos, sem o amargor característico.
Pelo adiantado da hora, pensámos que já não havia nem espaço nem apetite para o prato de carne, mas o Porco à Colher (€17) eleva o nível do final da refeição. A bochecha de porco cozinhada em vinho tinto e vinho do porto durante 12 horas tem o adocicado dos estufados, que combina com o doce do puré de cherovias. A carne solta-se mesmo com a colher! Resvés às doze badaladas, terminamos com o Cremoso (€8), que junta leite condensado cozido numa espécie de crème brûlée com sorbet de coco, merengue de chá verde e curd de lima.
Conta-nos David Jesus que a sua passagem pelos escuteiros faz com que goste de organizar equipas e de brincar com o fogo. No Bastardo, parece estar no sítio certo.
Bastardo > Internacional Design Hotel, R. da Betesga, 3, Lisboa > T. 21 324 0993 > 12h30-15h30 (almoço), 15h30-19h30 (lanche), 19h30-24h (jantar)