
Barriga de leitão, servida com cabidela de batata e molho de amêndoa
Quando desviamos caminho na 125, deixando a linha da praia para trás, e nos metemos pelo barrocal algarvio adentro, a sete quilómetros da zona de Cacela, percebemos logo que a experiência não há de ser de massas. A chegada ao Monte Rei confirma as suspeitas. Estamos no resort que tem um dos melhores campos de golfe da Europa e é com os praticantes desse desporto que se ocupa grande parte das 37 casas de três quartos, mais outras 18 com mais espaço e piscina privativa.
Foi por estes 440 hectares que o chefe Albano Lourenço trocou a sua Quinta das Lágrimas, em Coimbra, onde esteve 15 anos e onde chegou a ter uma estrela Michelin (perdeu-a em 2012). Não é um homem desanimado que encontramos na sala da lareira em frente a um porto tónico. Mas sim um conversador nato, que torna difícil esta coisa já fora de moda de tirar apontamentos num bloco. “Estava na altura de mudar e voltar ao Algarve é sempre bom”, nota aos 52 anos – antes estivera no São Gabriel, em Almancil, durante uma década.
Aqui no Monte Rei veio substituir o cozinheiro espanhol Jaime Perez. “Criei a carta do zero, a partir dos meus conhecimentos. A equipa também é nova e ainda está em formação.” Ficamos a saber, então, que os clientes (sejam ou não hóspedes do hotel) vão poder escolher de entre dois menus: um com 10 pratos, a 95 euros, e outro, o Vistas, que é como se chama o restaurante, de cinco opções principais, a 69 euros, sem bebidas.
Pegar nos garfos e nos copos
É este último, com uns pozinhos de simpatia à mistura, que vamos degustar, com toda a formalidade – a sala assim o exige. Somos logo absorvidos por um pé direito enorme, uma lareira de mármore imponente que marca o espaço, com um espelho de talha dourada por cima, e janelas a rasgar a parede, a prometer as tais Vistas, ladeadas por pesados cortinados. As mesas são poucas, redondas, servidas por cadeiras de braços, confortáveis. As toalhas que lhes caem em cima têm um tom pardo, sem um vinco.
Nem dá tempo para se estranhar a ausência de guardanapos, porque logo nos põem à frente um toalhete enrolado em forma de comprimido, que será regado com água perfumada, para que comecemos a refeição com as mãos impecavelmente limpas. Só depois o empregado pousa o guardanapo a condizer com a tolhada em cima do prato e alisa-o com as colheres que trazia a segurá-lo.
O amuse-bouche não vem ao engano. É a versão estilizada do carapau alimado, tão típico por estas bandas do sul do país. Este faz-se acompanhar por puré de cebola e espuma de coentros. O escansão Nuno Pires também abre caminho para as bebidas. Os primeiros pratos hão de ser acompanhados por um espumante da região de Lisboa, mas de uma “seleção das melhores colheitas de 2008”, garante. E nós acreditamos, depois de prová-lo.
O aperitivo é como uma sopa grossa, em formato mini. Servem-nos tomate em creme com ovo de codorniz cozido. Delicioso, pelo menos para quem este prato traz boas memórias de verão.
Só agora começa a desfilar o que leramos no menu que pousado em cima da mesa. É a vez do carpaccio de polvo (finíssimo e saboroso), que vem com uma estaladiça tempura de peixe galo, além de um canelloni de beterraba com creme de alho. Esta criação, bastante colorida, só termina de ser descrita depois de falarmos da cornucópia de batata doce a segurar várias folhas exóticas de salada. Tivemos alguma dificuldade em comê-la sem deixar tudo pelo caminho…

“Voltar ao Algarve é sempre bom”, diz o chefe Albano Lourenço, que, antes de estar na Quinta das Lágrimas, em Coimbra, comandou a cozinha do São Gabriel, em Almancil
Se não houvesse ostras…
Os vinhos são todos portugueses. Salvador Lucena, o diretor do hotel, conta que quando abriram, em 2008, a carta oferecia muitas marcas internacionais, mas que essa filosofia caiu em desuso. Hoje, o que procuram os hóspedes é conhecer o que por cá se faz de melhor em termos vitivinícolas.
Vir à zona da Ria Formosa e não comer ostras, já se sabe, é pior do que ir a Roma e não ver o Papa. E o chefe Albano está ciente disso, ou não teria no seu menu este gaspacho de morango e ostra de Cacela, que nos dá, ao mesmo tempo, a frescura do mar e a da fruta. E ainda podemos saboreá-las no molho que acompanha o prato seguinte: um lombo de pregado, com açorda de tomate e espuma de açafrão. Mais um espargo verde a rematar.
Antes do jantar, já o chefe tinha avisado que trouxera “lá de cima” o seu leitão e o leite creme. Ainda não estamos na sobremesa, mas já provámos a maravilhosa barriga de leitão com cabidela de batata (uma mistura dos miúdos com batata que se mete no forno e pode ser picante e que aqui se arruma dentro de uma cornucópia) e molho de amêndoa.
A mesa é um espaço de conversa, concordamos todos. E é por isso que a mousse de choclate com flor de sal, a pré-sobremesa que não se faz anunciar na carta, escorrega por entre as palavras. Sem nos lembrarmos de que ainda há de vir o tão anunciado leite creme, junto a uma telha de pistachio e gelado de baunilha. Haja espaço para tudo.
“Sou muito feliz no Algarve. É aqui que quero reformar-me”, confessa o mestre desta refeição, quando ela já foi dada por terminada. Não se pode dizer que escolheu uma região desagradável para o fazer. Nesse dia em que aqui jantámos, por exemplo, saímos de Lisboa debaixo de um dilúvio e regressámos com o mesmo cenário. Nas menos de 24 horas que estivemos a sul nem uma gota nos caiu em cima. Já se respirava Primavera. À mesa e fora dela.
Vistas > Monte Rei Golf & Country Club > Sesmarias, Vila Nova de Cacela > T. 281 950 950 > qui-sáb 19h30-22h30 (mar-jun, set-out), ter-sáb 19h30-22h30 (jul-ago)