O cheiro desperta o paladar e embala as conversas. Esqueça–se o expresso pedido ao balcão, tirado num abrir e fechar de olhos, e em vez disso peça-se um café de filtro, preparado com precisão e sabedoria. O método traz à memória o tempo do café comprado a granel e preparado na cafeteira de metal, perfumando toda a casa. Com o passar dos anos, as cafeteiras foram perdendo lugar nos armários de cozinha sendo substituídas por máquinas de pastilhas, mais rápidas e cómodas. Mas há quem queira voltar às origens. Antes da leitura, fica o aviso do escritor Miguel Esteves Cardoso, para levar em consideração: “Pode estragar-lhe a vida. É como comer lavagante depois de uma vida a comer delícias do mar. Ou como provar um bom vinho de quinta estando habituado a beber caixotes de vinho a granel.”
É o caso da Fábrica Coffee Roasters, aberta há oito meses em Lisboa. E onde tudo gira em torno do café. Há embalagens, moinhos, cafeteiras e outros utensílios para compra. A pedido de um cliente, o barista prepara um café de filtro e o momento pede toda a atenção. Enquanto o jarro aquece a água até aos 92º centígrados, escolhe-se um utensílio em vidro composto por duas peças que se encaixam. Chama–se V60 e é uma das cafeteiras que utiliza filtro – nesta categoria incluem-se ainda a Aeropress, a Kalita e a Chemex. Depois, faz-se a pesagem do arábica, a única espécie de café usada, e a moagem. Em seguida põe-se em cima do filtro, previamente molhado para lhe retirar o sabor a papel. Acrescenta-se água quente em dois momentos separados por 40 segundos – nesta fase o olhar fica como que enfeitiçado a ver o café cair e o nariz congratula-se com este aroma. “Queremos trazer o café de especialidade para Lisboa, oferecendo o seu sabor puro sem xaropes, chocolates ou chantillys,” explica Benderschi Stanislav, o proprietário da Fábrica Coffee Roasters (R. das Portas de Santo Antão, 136), que só compra café cultivado em solo fértil e colhido à mão no Brasil, Etiópia, Quénia e Colômbia. Há mais para provar como expresso, caffe late e cappuccino; e as versões frias, como affogato, iced coffee, retirados na máquina La Mozorocco. Mas são as opções de filtro (€3 para uma pessoa, €5 para duas) que se destacam nesta casa, com ambiente descontraído e decorada em estilo industrial, que merecem a nossa atenção – e a nossa prova, claro!
Antes de Stanislav se envolver neste negócio, já as irmãs dinamarquesas Susan e Hellen Jocobsen serviam café numa carrinha que estacionavam no Terreiro do Paço. Em março do ano passado, a Copenhagen Coffee Lab encontrou uma morada fixa junto à Praça das Flores (R. Nova da Piedade, 10). Ali, não têm mãos a medir com tantos pedidos de expressos e café filtrados, dependendo do gosto e do tempo que se quer perder (ou ganhar). É importado e torrado em Copenhaga. Para quem aprecia um café de balão mais texturado e encorpado, aconselham um French Press (€4 ou €3 consoante o número de chávenas). Para os apreciadores de aromas mais subtis, a escolha recai num V60 (€2,50). Aqui, um café é sempre acompanhado por uma boa conversa ou por um teclar num tablet ou computador.
Em Lisboa, há mais uma cafetaria a merecer a visita para uma prova demorada: a Wish, na Lx Factory (R. Rodrigues Faria, 103). “Inspirei-me na minha infância e na altura em que a minha tia fazia café na cafeteira”, diz Margarida Eusébio, a responsável pela Wish. Para recriar os sabores que guarda na memória, procurou a melhor matéria-prima e métodos de extração. O rápido, para preparar o expresso, capuccino e o café latte; e o filtro, para as opções de balão. São todos feitos com a variedade arábica, de origens que variam dependendo da época do ano ou das melhores colheitas.
No Porto, a Mercearia do Miguel (R. do Passeio Alegre, 130) é pequena, mas aromática. Muito por causa do café artesanal Vernazza, moído na hora, e servido de diferentes formas, da prensa francesa (€1,50 a €3) ao balão (€3). Ao pequeno–almoço, é de acompanhar com torradas de pão alentejano. Durante o dia, nota Teresa Valle, a proprietária,há sempre um doce para servir com o café”. Na Baixa do Porto, é com muita calma que se entra no Bop Café (R. da Firmeza, 575). Convém reservar largos minutos para saborear o café de filtro da casa (€1,30) o “u tirado com a técnica japonesa do Pour Over, com grão selecionado da Colombia e Etiópia (€3 a €4,50), num dos vários pontos de escuta do vinil. Preparado no balcão, passo a passo, de maneira a que o cliente veja.
Embora no Mesa 325 (Av. Camilo, 325), na zona oriental do Porto, as bebidas quentes se possam levar para beber na rua, nem tudo é feito atrás do balcão, onde se exibem scones, bolo de chocolate com beterraba ou gengibre com laranja (€1,20). Além de capuccino, abatanado, caffè latte e vietnamita, Leonor Sá e o marido, Mário Espinha, servem cada vez mais café de filtro (€1,20). “É 100% arábica da Vernazza, importado do Brasil, Salvador e Etiópia, de qualidade superior e gosto diferente”, sublinham. Muito usado como sala de reuniões, escritório e ateliê, no Mesa 325 tudo apela à calma. Os móveis de madeira, as palavras de parede, a iluminação suave, o chão de cimento e os cadeirões parecem ter saído de casa, só por momentos.
É a vida para além do expresso. E, ao que parece, a tendência não se resume apenas às novas cafetarias da cidade de Lisboa e do Porto. Encontrar o melhor café levou, por exemplo, o chefe de cozinha Alexandre Silva, proprietário do restaurante Loco, em Lisboa (R. dos Navegantes, 53B), numa aventura pelas misturas e provas. “Sabia que não queria servir um café de pastilhas. Queria que fosse um momento especial, tal como é toda a refeição”, explica Alexandra Silva. Para o ajudar nesta missão, aconselhou-se com Niccòlo Corallo, proprietário da loja Bettina & Niccòlo Corallo, também em Lisboa. Da parceria resultou a criação de um lote exclusivo, com três variedades de café de balão. “Queríamos que tivesse acidez, perfume e corpo”, diz, acrescentando ainda que encontrou estas características nas variedades robusta (corpo), na arábica do Brasil (perfume) e na arábica do Ruanda (acidez). A torra de cada uma é feita nas instalações da loja Bettina & Niccòlo Corallo, normalmente três dias antes. À mesa, no restaurante Loco, o café moído, o balão de vidro, a água quente e a lamparina chegam depois num carrinho para ser preparado em frente ao cliente. O processo dura cerca de cinco minutos, mas permanecerá muito mais do que isso nos olhos de quem souber ver.