Reza a lenda que o deus do vinho e da Natureza dos romanos, Baco, ao vir à Lusitânia para visitar o deus dos lusitanos, Endovélico, passou pelas terras da Meda. Começou pelas terras quentes de Longroiva e subiu por aí fora chegando às terras frias do alto do Poço do Canto, onde parou, pois a caminhada já ia longa. Deparou-se com uma família de lusitanos que logo se prestou a oferecer-lhe alimento. Indagou se tinham vinho que o ajudasse a tragar a comida. A família desconhecia que bebida era essa. Comovido pela hospitalidade dos lusitanos, Baco mandou entregar uma videira da Campânia e assim nasceu o vinho da Meda.

Golpe Reserva Branco 2023 Produtor: Família Carvalho Martins Região: Meda (Douro)
Solos: Xisto, Granito, Quartzo
PVP: €15
Muxagat Vale Cesteiros 2018 Tinto
Produtor: Muxagat
Região: Meda ( Douro )
Solos: Xisto
PVP: 27€
Baga Souvall Tinto 2023
Produtor: Lúcia
e Américo Ferraz
Região: Meda (Beira Interior)
Solos: Granito
PVP: €18
Esta lenda retrata um momento histórico importante, pois os medobrigenses, último povo lusitano a resistir aos romanos, habitaram esta zona antes da conquista dos homens de Roma. A lenda marca um momento de transição cultural, onde o vinho assume a centralidade que chega até aos nossos dias. Se me é permitido, num contexto em que sou mero apaixonado pelo mundo do vinho, diria que o vinho serviu de artífice da paz que juntou os povos e que aproximou os deuses.
Foi através deste rito que nasceu o vinho da Meda. Os vestígios de práticas culturais de cultivo de vinho na região são abundantes. As lagaretas, lagares cavados nas rochas, que serviam para pisar as uvas com os pés para depois fermentarem em ânforas, são comuns no território. É, portanto, um facto histórico que a Meda produz vinho há milhares de anos, sendo a principal cultura deste território. É indiscutivelmente uma região de vinha e vinho.
A região é ainda pouco conhecida pela generalidade dos amantes de vinhos. Mas nem sempre foi assim. Nos idos anos 50 do século passado, o vinho da Meda era muito conceituado nas tabernas do Porto, que se orgulhavam de o servir aos seus clientes. O célebre palhete da Meda, uma mistura de castas brancas e tintas – que muitas vezes era refermentado na barrica para ganhar um pouco de efervescência – era o condimento perfeito para uma boa conversa ou um belo repasto. Tempos em que o vinho era para ser bebido sem mais, com prazer e à mesa. A Adega Cooperativa da Meda foi uma das pioneiras e forneceu milhares de armazenistas de vinho por esse Portugal fora.
Com o advento das novas tendências de consumo, a Meda foi perdendo o seu espaço. Situada entre duas regiões vitivinícolas, a Beira Interior e o Douro, as vinhas da Meda eram vistas como o parente pobre das vinhas mais próximas do rio Douro. A valorização económica das vinhas em cotas mais baixas, longe do território da Meda, levou ao abandono de muitas vinhas na região, em proveito de plantações mais perto do rio. Nos anos 80 e 90, os novos incentivos europeus à plantação e os novos hábitos de perfil de vinho, com mais graduação e um crescente desprezo pelos vinhos brancos, levaram a região para o esquecimento dos novos amantes de vinho que estavam muito entusiasmados com os vinhos de padrão internacional, muitas vezes fora dos cânones clássicos dos vinhos que se bebiam nas tabernas do Porto. A região da Meda seria consumida pelo mar de vinho das regiões demarcadas do Porto e do Douro, acrescentando pouco a um paladar que se queria unívoco em busca de uma qualquer boa crítica de um jornalista internacional.
Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades, diz o nosso mais aclamado poeta. A Meda manteve-se fiel a si própria e é agora reconhecida pelos mais variados enólogos, que destacam a sua identidade e as suas características ímpares para o cultivo da vinha.
Localizadas no distrito da Guarda, na transição entre o planalto beirão e a bacia hidrográfica do rio Douro, as terras da Meda contam com solos variados, granito nas terras frias (no planalto beirão), xisto nas terras quentes (no Douro superior). Esta localização na fronteira entre solos, regiões, altitudes e clima resulta num produto final com características muito próprias. De tanino firme e frescura cristalina, os tintos da Meda elevam a concentração dos vinhos de cotas mais baixas a patamares mais finos e elegantes. A mineralidade dos vinhos brancos remete-nos para os versos do poeta medense Manuel Daniel sobre o mar de granito que rodeia as terras da Meda. A concentração dos vinhos do Douro Superior e a mineralidade dos vinhos da Beira Interior encontram na Meda a sua síntese perfeita.
Como grandes intérpretes das fórmulas que dão origem a grandes vinhos, muitos enólogos trabalham com as uvas da Meda há décadas, mas a região não tem sido promovida enquanto tal. O vinho mais icónico do Douro, Barca Velha, pensado por Fernando Nicolau de Almeida, foi inicialmente produzido com uvas da Meda. Na afamada Casa Ferreirinha, que se dedicava exclusivamente à produção de vinho do Porto, ousou-se entrar pelo mundo do vinho tranquilo, recorrendo ao temperamento das uvas da Meda. Este segredo manteve-se na família Nicolau de Almeida, e ainda bem. Hoje podemos contar com o seu neto, Mateus Nicolau de Almeida, que produz vinhos na região desde o início da sua carreira.
Este segredo não passou despercebido aos que estudam a arte de fazer bom vinho. O professor Virgílio Loureiro, um dos mais notáveis académicos de vinho em Portugal, ajudou a montar a empresa produtora de vinho Vinilourenço, que tem como lema “invernos de granito, verões de xisto”. Este estudioso da enologia moderna deu o mote a uma nova geração de enólogos que aprofundou o significado do vinho da Meda. Luís Seabra, Márcio Lopes, Rita Marques são alguns nomes da nova geração de enólogos que mantém viva a tradição.
Tudo isso só é possível, porém, graças à resiliência de alguns poucos viticultores, que tal como os seus antepassados medobrigenses, não abandonaram as suas vinhas. Os viticultores da Meda, nos quais incluo a minha família (que teve a visão de plantar a mesma quantidade de castas brancas e tintas à revelia das modas dos anos 80), são os verdadeiros guardiões do tesouro.
Prestamos homenagem a estes homens e mulheres, herdeiros de um povo que resiste ao tempo, e brindamos a eles.
Convido-vos a percorrer o mesmo trajeto feito por Baco, começando por um tinto de solos xistosos da Fonte Longa, Muxagat Vale Cesteiros de 2018. A seguir, sobem um pouco e chegam a Longroiva, território onde o granito e o xisto se confundem, dando corpo ao vinho branco da minha família, Golpe Reserva Branco 2023. Por fim, acabam nas terras frias de granito beirão, em Vale Flor, acompanhados pelo Baga do Souvall de 2023. Espero que desfrutem desta peregrinação vínica por um território que necessita de se revelar a si próprio para se emancipar. Viva a Meda, Viva o vinho!