Há uma arte centenária chamada cinema, que se celebra nas salas de espetáculos e não nos pequenos ecrãs que cada um tem em sua casa. E Steven Spielberg fez-lhe uma ode. Os Fabelmans não tem propriamente o tom de um manifesto por uma causa que para muitos parece perdida. Mas, ainda assim, acaba por ganhar esse poder, adquirindo especial impacto por vir das mãos de um dos mais admirados e populares realizadores de Hollywood, o homem que fez Indiana Jones, ET, O Tubarão, Jurassic Park…
O argumento é levemente inspirado na infância do próprio Spielberg: um menino judeu que fica obcecado pelo cinema a partir do momento em que os pais o levam a ver um filme de Cecil B. DeMille, ainda nos anos 50. O pai é um marido perfeito e um engenheiro genial, embrião da revolução digital de Silicon Valley, que acha que ser cineasta não é uma profissão; a mãe, uma artista enclausurada na felicidade do lar, que foge constantemente para a estratosfera como numa nuvem de éter.
Os Fabelmans são como os Simpsons ou os Flintstones. Um retrato não demasiado caricatural, mas em que as personagens se definem pelas suas características vincadas, sobretudo o pai e a mãe. Dentro dessa família disfuncional, prestes a desfazer-se, encontram-se alguns traços que lembram Woody Allen, sobretudo na parte inicial, mas também há ali qualquer coisa de Douglas Sirk, nos momentos em que se aproxima do melodrama, sem nunca perder um certo encanto poético e sentido de humor.
Spielberg, realizador cinéfilo, faz filmes explorando uma arte simples e popular de contar histórias (que sempre foi o seu estilo), ao mesmo tempo que, aqui, nos fala sobre o próprio cinema, numa visão do seu descobrimento da arte: o jovem Sam, que aprendeu com os grandes mestres, de DeMille a John Ford, filma um momento (o dia da gazeta) em que ironicamente explora até as técnicas de montagem e engrandecimento atlético da alemã, sempre associada ao nazismo, Leni Riefenstahl. O cinema revela-se em Os Fabelmans como uma arte poderosa e mágica, que seduz, simula e transforma a realidade.
Os Fabelmans > De Steven Spielberg, com Gabriel LaBelle, Michelle Williams, Paul Dano, Seth Rogen > 151 minutos