Alexandra Lucas Coelho escreve como ninguém. Voz curiosa, intuitiva, permeada pelo Outro, que aceita o fio da sincronicidade, que mistura o fora e o dentro (da História e das histórias), abraça a natureza precária e orgânica das coisas humanas e coreografa parágrafos em correnteza – como o rio de Heráclito onde um homem, ou uma mulher, não pode banhar-se duas vezes porque nem o rio nem a pessoa são os mesmos. Na obra da escritora, biografia e literatura contaminam-se, ambas trabalhando para a revelação, a transformação. Aqui, foi Caetano Veloso que desenroscou a primeira das “bonecas baianas” que, como as congéneres russas, neste livro saem umas de dentro das outras. De músicas, de lugares, explodem recordações, crónicas passadas, espíritos, vai e vem de tudo. Vagabundagem sentida.
O músico brasileiro, “deus” que Alexandra ouve desde sempre, e por causa de quem a Bahia lhe apareceu como um lugar prodigioso, disse-lhe, após a leitura do romance Deus-Dará: “Falta Bahia no livro.” E Lucas Coelho, ateia “que tem altares, vê milagres” empreende essa peregrinação: “Achar beleza já é uma espécie de fé”, lê-se. Cinco Voltas na Bahia e um Beijo para Caetano Veloso leva-nos por terreiros de candomblé e velhas bibliotecas, pela primeira praia de 1500 onde chegou o colonizador português ao país de Bolsonaro em que “a barra foi ficando cada vez mais pesada”, pelo cortejo afro do Carnaval carioca até Vieira ou às platibandas de Anna Mariani que Baudrillard amou. A Bahia de Caetano, e de Bethânia, e de Jorge Amado, e de Alexandra, é uma epifania perpétua aromatizada por acarajé e por dendê. “Há obras que são importantes não como lugares em si mas como canais”, diz a escritora sobre o disco Tropicália. Este Cinco Voltas… tem o mesmo lume.
Cinco voltas na Bahia e Um Beijo Para Caetano Veloso (Caminho, 270 págs., €15,90) encerra uma trilogia luso-brasileira, após o volume de crónicas Vai, Brasil (2013) e o romance Deus-Dará (2016).