Monção, 3 de agosto, 15 e 30. 35 graus. Passamos pela primeira vez os imponentes portões de ferro. Sim, também pertencemos ao grupo dos que colavam o nariz às grades para espreitar o Palácio da Brejoeira, monumento nacional desde 1910. “Era um crime ter esta casa de portas fechadas “, atira Manuel Carvalho, que espera há anos cruzar a entrada. Com ele veio a família, 11 adultos e 3 crianças. “É a melhor coisa que a D. Hermínia (a proprietária) e o administrador Emílio Magalhães podiam ter feito”, vai dizendo enquanto compra os bilhetes na receção. Recebeu a notícia em França, onde reside há 31 anos. As férias na terra não ficariam na memória sem esta visita. “Não há outra casa de igual importância no Alto Minho”, sublinha.
Aberto desde o passado dia 10 de julho, o palácio recebeu já 1600 visitantes. Pagaram para ver o que esconde afinal este majestoso edifício. Todos querem ver de perto aquilo de que um dia ouviram falar pela voz da mãe, do tio ou do primo que ali trabalharam. “Primeiro foram estrangeiros e pessoas de fora da região, agora começam a chegar os locais”, diz Cláudia Paulino, que será a nossa guia, durante mais de uma hora. O hall largo e espaçoso, onde fica a receção, dá acesso a um pequeno teatro com seis filas de plateia para 48 pessoas. O cenário em relevo, repleto de flores, mostra em fundo uma reprodução da fachada. “O palácio começou a ser construído em 1809, por ordem de Luís Pereira Velho de Moscoso, ficando concluído 25 anos mais tarde.” Em 1908, já na posse de Pedro Araújo, o edifício é alvo de obras de ampliação que incluem a capela, que veremos mais tarde, o teatro e o jardim de inverno, para onde seguimos. Fica a meio da escadaria que nos levará ao primeiro piso. Tem forma semicircular em ferro, vitrais coloridos e um busto de D. Manuel II, o último rei de Portugal. “Está a precisar de obras”, nota Cláudia. A ferrugem já se faz notar em diversos locais.
INFLUÊNCIA ORIENTAL
Subimos ao primeiro andar deste sumptuoso palácio, a quem falta apenas uma torre para ser real. “Tem três, precisava de quatro”, deixa escapar a guia. Na biblioteca, que dá acesso a amplos salões dispostos em sequência, encontra-se uma vasta compilação do Diário de Lisboa e do Diário do Porto, este último de 1834, ainda do tempo do primeiro proprietário, um anuário histórico de 1822, entre outras preciosidades ainda por revelar. “A Universidade do Porto vai catalogar tudo para posterior recuperação, digitalizar e criar uma base de dados”, conta Cláudia. Na sala dos retratos, onde está Hermínia Paes, aos 18 anos, o Marquês de Pombal e D. Maria II, o papel de parede foi todo pintado à mão, tal como os frescos do teto. Ao lado fica a sala do rei, onde além do trono há um retrato de D. João VI que acompanha o visitante para todo o lado.
Ao longo da visita sobressaem candelabros gigantescos, frescos de temática mitológica, muitos azulejos, luxuosas tapeçarias com mais de 100 anos, pratas e loiças do Oriente, mobiliário de madrepérola e pau-preto entre outros elementos decorativos da Dinastia Ming.
Na sala de jantar, uma mesa com 28 lugares deixa adivinhar a grandeza dos jantares ali servidos. De férias em Monção, esta é a segunda vez que Matilde Carvalho visita o palácio. “A primeira foi há mais de 20 anos, com a minha mãe que trabalhava cá”, recorda. Dessa altura apenas se lembra “de uma mesa enorme”. Agora leva outras coisas para contar. No quarto real ainda se podem observar os chinelos do monarca, a cama de dossel e o teto pintado com elementos vegetalistas.
Descemos ao rés-do-chão, à sala de armas de estilo africano que dá acesso ao jardim das camélias, com vinte espécies diferentes. Daí que a floração ocorra de dezembro a maio. Do varandim observa-se a avenida dos plátanos, porta de entrada no bosque. Mas já lá iremos. Falta ainda ver de perto a belíssima capela e as cavalariças, onde em breve será instalada a receção, loja e sala de provas de vinho.
O ROMÂNTICO BOSQUE
Entramos no bosque pela avenida das centenárias tílias, rumo ao antigo campo de jogos. Dentro de alguns meses, o edifício dará lugar a uma casa de chá e o terreno em frente será ocupado por uma tenda para realização de eventos. Um pouco mais à frente fica o miradouro para as vinhas de casta Alvarinho que Hermínia Paes, com paciência e sabedoria, transformou num dos mais emblemáticos vinhos da região. O passeio prossegue por entre árvores centenárias mais ou menos exóticas. “O bosque vai ainda ser requalificado.” “Uma equipa da Fundação de Serralves já visitou o espaço para proceder à classificação das espécies”, desvenda Hugo Souto, diretor de marketing e património. Por entre a densa vegetação chega-se ao lago, onde com alguma sorte se avista um casal de lontras, além da romântica “ilha dos amores” e da gruta habitada por morcegos. O caminho leva-nos até à antiga adega.
Pelo meio ainda se avista uma outra capela, um moinho de água e o jardim do lago dos cisnes. Além dos jardins naturalistas, na parte de trás da casa, encontra a antiga adega dotada de dois lagares de granito, prensa e armazém com arcos em pedra assentes em robustas colunas que formam uma nave central. Ali repousa a aguardente vínica, em pipas de carvalho, por um período mínimo de 15 anos. A visita termina não sem antes olharmos de novo a fachada de estilo neoclássico e alguma influência barroca que confere sumptuosidade ao edifício.
‘ABRIU-SE O PORTÃO DAS LAMENTAÇÕES’
Hermínia Paes, 92 anos, a proprietária, sempre foi contra esta abertura. “Levei um valente empurrão para que isso acontecesse “, confessa. Emílio Magalhães, 56 anos, o administrador, assume-se como responsável pela nova vida do palácio. “Abriu-se o portão das lamentações”, sublinha. Interpelado inúmeras vezes, sempre respondeu que um dia seria possível. Além de desvendar as riquezas, a abertura permite gerar receitas para obras de restauro e conservação, argumento com peso na decisão.
O até agora intocável palácio abre diariamente a visitas individuais ou em grupo, mas sempre acompanhadas de um guia. “A abertura é irreversível”, sublinha Emílio Magalhães, que pretende avançar com outros projetos. Concertos de música clássica, um festival de jazz e a abertura de um hotel de charme são os passos seguintes. Hermínia Paes acrescenta “a abertura de uma creche, entre outras ideias. Mas essas ficarão para mais tarde”. Apesar de ter perdido alguma privacidade, a proprietária não parece arrependida. “Este palácio não é meu é de quem o quer ver. As pessoas tinham esse direito.” Na memória tem ainda bem presente o dia em que viu o palácio pela primeira vez, em 1937. “Eu e o meu pai andávamos à procura de casa no Minho. Quando o chauffeur parou dissemos ao mesmo tempo ‘este sim’.” No entanto, só anos mais tarde passou a ser a sua residência permanente.